segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Lúcia Já-Vou-Indo – Maria Heloísa Penteado




Lúcia Já-Vou-Indo não sabia andar depressa de maneira nenhuma. Andava devagar, falava devagar, chorava e ria devagarzinho e pensava mais devagar ainda. Muito natural, pois ela era uma lesma.Um dia, Lúcia recebeu um convite para uma festa. Levou o dia inteirinho para ler o bilhete que dizia assim:

"Chispa-Foguinho, a libélula, convida você para uma festa dançante, embaixo do Pé de Maracujá, às oito horas da noite do dia 30 de janeiro. Comes e bebes, muita música, muita alegria, tudo do bom, do melhor e de graça".

Mal acabou de ler, Lúcia já se foi preparando para a festa. Queria se pôr a caminho imediatamente, embora faltasse ainda uma semana.

- Juro que vou chegar na hora! -disse para si mesma. E começou a lembrar as muitas festas que havia perdido por chegar sempre atrasada. Ao aniversário da Maroquinha Cocinela, que era sua vizinha, chegou um dia depois da festa. Ao casamento do grilo João das Pintas com Sarapintada, chegou tão tarde que foi encontrar o casal já com um filhinho.

Nesse instante, o relógio da sala bateu três horas da tarde e Lúcia teve um sobressalto. Pois não é que já perdera duas horas pensando naquelas coisas? E começou a se arrumar afobadamente. Pôs na cabeça uma peruca de cachinhos com um laçarote de fita cor-de-laranja, e com isso perdeu um dia inteirinho.

Encheu uma cesta com brotinhos de alface para ir comendo pelo caminho, e lá se foi mais um dia. Deu corda no relógio para que não parasse na sua ausência e outro dia perdeu. Só faltava fechar a casa e ela perdeu nesse serviço mais um dia. Enfim a molenga se pôs a caminho, tendo exatamente três dias para chegar ao Pé de Maracujá que não era muito longe.

Chegou o dia da festa e ela ainda estava andando. Pelo caminho encontrou muita gente que também ia para lá. Viu dona Içá, com a cinturinha apertada num cinto de fivela de ouro, de braço dado com o marido de camisa listada e boné. Viu Lili Taturana toda besuntada de brilhantina para que seus pelinhos não ficassem arrepiados. Viu Zé Caramujo de cachecol xadrez enrolado no pescoço. Viu as formiguinhas Quem-Quem numa longa fila, comportadas e quietinhas como meninas de orfanato a passeio num domingo.

Viu abelhas, besouros, pernilongos, vespas e mil outros bichinhos. Todos passavam por ela e sumiam ao longe.

- Depressa, Lúcia, assim você não chega! - diziam de passagem.

E ela respondia mastigando devagarzinho um brotinho de alface:

- Já vou indo... Já vou indo... - e se esforçava, pensando que estava andando um bocadinho mais depressa.

Enfim, ela começou a ouvir a orquestra das cigarras. Estou pertinho, pensou. Mais algumas horas e estou lá. E seu entusiasmo era tamanho que até conseguiu, de fato, andar um pouquinho mais depressa.

- Olha a pedra no caminho! - gritou nesse instante João Barata do Mato, que também ia indo para a festa.

Aviso inútil, porque Lúcia Já-Vou-Indo a viu muito bem. Era a Maria Redonda, uma pedra perversa que gostava de pregar peças nos outros.Ficava sempre no meio do caminho, de propósito, para que tropeçassem nela e caíssem. Então ria de se sacudir toda.

Eu vou me desviar dela, pensou a lesminha. Mas a coitada pensava mais devagar ainda do que andava. Por isso não teve tempo de se desviar. Tropeçou e caiu. Mas não se machucou porque caiu muito devagarinho.. tão devagarinho que a pedra nem achou graça.

Lúcia levantou-se, arrumou a peruca que se havia entortado na cabeça e foi buscar a cestinha que havia rolado longe. Nisso, perdeu um dia e mais outro.

Quando chegou ao Pé de Maracujá, não havia mais nem sinal da festa, a tão esperada, comentada e suspirada festa. ­Quem achou graça no caso, foi o Pé de Maracujá. Começou a bater uma folha na outra e a cantar assim:

 

"A Lúcia Já-Vou-Indo Vinha vindo, vinha vindo,

Tropeçou numa pedrinha, Foi caindo, foi caindo!"

 

Mas Lúcia não achou graça nenhuma. Chorou muito o seu chorinho vagaroso de lesma: uma lágrima por hora, um soluço a cada meia hora.

Chorou, chorou, mas seu choro manso não conseguiu acordar a libélula Chispa-Foguinho que dormia cansada da festa. Ela só escutou o chorinho da lesma no outro dia, quando acordou.

- O que será isso? - a libélula disse e foi espiar. Viu a pobre Lúcia chorando, compreendeu tudo e ficou morrendo de pena. Foi buscar uns docinhos que sobraram da festa e ofereceu-os a Lúcia.

Conversou bastante com ela para ver se a consolava, e nada. Lúcia Já-Vou-Indo continuava com o seu choro em câmara lenta e depressa a libélula se cansou. Numa última tentativa, ela disse:

- Sabe, Lúcia, quem vai dar uma festa agora é você. Sendo a festa na sua casa, é impossível você chegar atrasada.

A lesminha ficou pensando naquilo e, como pensava muito devagar, a libélula chamou as irmãs e, ligeiras como foguetinhos, foram à casa de Lúcia, prepararam tudo e distribuíram os convites.

 

Credo! A família da libélula era toda elétrica. Zás-trás e tudo ficou pronto. Só faltava colocar a Lúcia dentro de casa para receber os convidados.

Enquanto isso, Lúcia Já-Vou-Indo, que já tinha acabado de pensar e estava encantada com a idéia, vinha vindo o mais depressa que podia. Talvez, dentro de alguns dias ­se não tropeçasse outra vez na pedra Maria Redonda estivesse em casa.

E a libélula Chispa-Foguinho tinha agora um problema: os convidados já estavam chegando e a festa não podia começar porque a dona da casa estava fora. Como trazer Lúcia o mais depressa possível? ".

Cric!... A libélula deu um estalinho. Já descobrira a solução. Num abrir e fechar de olhos, explicou tudo às irmãs e foram buscar a Lúcia.

Puseram a molenga em cima de uma folha de capim e vieram voando trazendo a folha pelos ares. Danadas como elas só, em dois minutos a lesma estava em casa. Isso, apesar de ter caído da folha três vezes.

Foi assim que ,oh maravilha! Pela primeira vez na vida, Lúcia já vou indo assistiu a uma festa inteirinha, do começo ao fim.

 

 

FONTE: http://mariamachado.blog.com/index.php/2011/02/06/ginastica-historiada/

sábado, 21 de setembro de 2013

LANÇAMENTO LIVRO INFANTIL- "As Aventuras de Aninha"-Ed. Paginas & Letras

LANÇAMENTO LIVRO INFANTIL
“AS AVENTURAS DE ANINHA-  A Casa do João de Barro e seus filhotes”
Coordenado pela professora Susete Mendes, obra infantil produzida coletivamente por alunas do Curso de Pedagogia EAD - Uniararas
Sinopse
O presente trabalho é a expressão escrita de uma das atividades desenvolvida nas aulas que a Professora Susete Mendes vem ministrando, com sua experiência no Curso de Pedagogia EAD. Foi registrado como uma coleção “As aventuras de Aninha”. Este primeiro volume conta a história do João de Barro e seus filhotes.
 

Acompanha o livro, uma sacolinha e fantoche de um dos personagens da história.
Valor R$ 20,00 - pedidos podem ser feito pelo e-mail: suse.mendes@hotmail.com

ou pelo telefone (011) 3912 7714 - Lilian Mendes




 

sábado, 14 de setembro de 2013

Excluídos - FERREIRA GULLAR


DE ALGUM tempo para cá, a parte da sociedade que mora em favelas e bairros pobres é qualificada como "excluída". Ou seja, os moradores da Rocinha e do Vidigal, por exemplo, não vivem ali porque não dispõem de recursos para morar em Ipanema ou Leblon, e sim porque foram excluídos da comunidade dos ricos. E eu, com minha mania de fazer perguntas desagradáveis, indago: mas alguma vez aquele pessoal da Rocinha morou nos bairros de classe média alta e dos milionários? Afora um ou outro que possa ter se arruinado socialmente ou que tenha optado por residir ali, todos os demais foram levados a isso por sua condição econômica ou porque ali nasceram. Então por que considerá-los "excluídos", se nunca estiveram "incluídos"?
No meu pouco entendimento, excluído é quem pertenceu a uma entidade ou a comunidade e dela foi expulso ou impedido de nela continuar. Quem nunca pertenceu às classes remediadas ou abastadas não pode ter sido excluído delas. Mais apropriado seria dizer que nunca foi incluído. Ainda assim, se não me equivoco, incorreríamos em erro. Senão, vejamos: a Rocinha, o Vidigal, o Borel e a favela da Maré fazem parte da cidade do Rio de Janeiro, não fazem? Seria correto afirmar, então, quer seja do ponto de vista urbanístico, quer do demográfico e social, que o Rio são apenas os bairros em que reside a parte mais abastada da população? Se fizermos isso, então, sim, estaremos excluindo parte considerável do território e da gente que constitui a cidade do Rio e que, portanto, pertence a ela.
Consideremos agora a questão de outro ponto de vista. Nos morros e favelas da cidade residem cerca de 1 milhão de pessoas, que têm vida social ativa, pois trabalham, estudam, participam de organizações comunitárias e recreativas. A maioria delas trabalha fora de sua comunidade, no comércio, na indústria, no serviço público, ou desenvolve atividade informal. Logo, participa da vida econômica, cultural e esportiva da cidade. Em que sentido, então, essa gente estaria excluída? Não resta dúvida de que as famílias faveladas, na sua ampla maioria, vivem em condições precárias, tanto no que se refere ao conforto domiciliar quanto à alimentação, às condições de higiene e saneamento, educação, saúde e segurança. Mas não estão excluídas da preocupação dos políticos que, na época das eleições, vão até lá em busca de votos. Há, nessa comunidade, cabos eleitorais, pessoas que atuam em associações de bairro e fazem a ligação com os centros políticos de poder. É certo que a grande maioria dessa gente não participa da vida política, mas isso ocorre também com as demais pessoas, morem onde morarem. Por todas essas razões, somos obrigados a concluir que os pobres e favelados estão incluídos na vida econômica, social e política da sociedade.
No entanto, isso não significa que estejam em pé de igualdade com as pessoas das classes médias e ricas. Não estão e, na sua grande maioria, descendem de gerações de brasileiros que tampouco gozaram dessa igualdade. Muitos descendem de antigos escravos e de brancos pobres que, pela carência de meios e pela desigualdade que rege o processo social, jamais tiveram possibilidade de ascender econômica e socialmente. Eles não foram excluídos simplesmente porque jamais estiveram incluídos entre os mais ou menos privilegiados.
Por que, então, cientistas políticos, sociólogos e jornalistas, entre outros, falam de exclusão social? Por ignorância não será, já que todos eles estão a par do que, bem ou mal, tentei demonstrar aqui. Creio que, consciente ou inconscientemente, procura-se levar a sociedade a pensar que a desigualdade social não é conseqüência de fatores objetivos, do sistema econômico, mas sim resultado da deliberação de pessoas cruéis que empurram os mais fracos para fora da sociedade e os condenam à miséria.
Em vez de admitir que esse sistema, por visar acima de tudo o lucro e ser, por definição, concentrador da riqueza, é que dificulta, ainda que não impeça, a ascensão dos mais pobres, procura-se fazer crer que a desigualdade é fruto de decisões pessoais. Ignora-se que, no sistema capitalista, quem não tem emprego também está incluído nele, como exército de reserva de mão-de-obra, com a função de pressionar o trabalhador e limitar-lhe as reivindicações. A eliminação da miséria beneficia o sistema pois amplia o mercado consumidor. O empresário pode ser, como você ou eu, bom ou mau, generoso ou sovina, mas, como disse Marx, "o capital governa o capitalista". O problema está no sistema, não nas pessoas.

sábado, 7 de setembro de 2013

Recado ao Senhor 903 -Rubem Braga

VIZINHO
 
Quem fala aqui é o homem do 1003. Recebi outro dia, consternado, a visita do zelador do prédio, que me mostrou a carta em que o senhor reclamava contra o barulho em meu apartamento. Recebi depois a sua própria visita pessoal - devia ser meia-noite - e a sua veemente reclamação verbal. Devo dizer que estou desolado com tudo isso, e lhe dou inteira razão. O regulamento do prédio é explícito e, se não o fosse, o senhor ainda teria ao seu lado a lei e a polícia. Quem trabalha o dia inteiro tem direito ao repouso noturno e é impossível repousar no 903 quando há vozes, passos e músicas no 1003. Ou melhor: é impossível ao 903 dormir quando o 1003 se agita; pois como não sei o seu nome nem o senhor sabe o meu, ficamos reduzidos a ser dois números, dois números empilhados entre dezenas de outros. Eu, 1003, me limito a leste pelo 1005, a oeste pelo 1001, ao sul pelo Oceano Atlântico, ao norte pelo 1004, ao alto pelo 1103 e embaixo pelo 903 que é o senhor. Todos esses números são comportados e silenciosos; apenas eu e o Oceano Atlântico fazemos ruído e funcionamos fora dos horários civis; nós dois apenas nos agitamos e bramimos ao sabor da maré, dos ventos e da lua. Prometo sinceramente adotar, depois das 22 horas, de hoje em diante, um comportamento de manso lago azul. Prometo. Quem vier à minha casa (perdão, ao meu número) será convidado a se retirar às 21:45, e explicarei: o 903 precisa repousar das 22 às 7 pois às 8 deve deixar o 783 para tomar o 109 que o levará até o 527 de outra rua, onde ele trabalha na sala 305. Nossa vida, vizinho, está toda numerada,   e reconheço que ela só pode ser tolerável quando um número não incomoda outro número, mas o respeita, ficando dentro dos limites de seus algarismos. Peço-lhe desculpas - e prometo silêncio.
   Mas que me seja permitido sonhar com outra vida e outro mundo, em que um homem batesse à porta do outro e dissesse: "Vizinho, são três horas da manhã e ouvi música em tua casa. Aqui estou". E o outro respondesse: "Entra, vizinho, e come de meu pão e bebe de meu vinho. Aqui estamos todos a bailar e cantar, pois descobrimos que a vida é curta e a lua é bela".
E o homem trouxesse sua mulher, e os dois ficassem entre os amigos e amigas do vizinho entoando canções para agradecer a Deus o brilho das estrelas e o murmúrio da brisa nas árvores, e o dom da vida, e a amizade entre os humanos, e o amor e a paz."
(Rubem Braga. "Para gostar de ler". São Paulo: Ática, 1991)