quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Um homem de consciência



O conto abaixo é de autoria de Monteiro Lobato, integra o livro “Cidades Mortas” e pertence à era pré-modernista da literatura brasileira.
Monteiro Lobato é nome de irrefutável destaque em obras relacionadas ao regionalismo e à denúncia da realidade brasileira. O texto reproduzido nesse post tem como personagem central um homem simples, do meio rural, que se defronta com os problemas ocorridos na região onde vive e não dá valor a si mesmo. Interessante crítica à inversão de valores e ao desprezo à moralidade que costumam ocorrer no Brasil.

Um homem de consciência"

Chamava-se João Teodoro, só. O mais pacato e modesto dos homens. Honestíssimo e lealíssimo, com um defeito apenas: não dar o mínimo valor a si próprio. Para João Teodoro, a coisa de menos importância no mundo era João Teodoro.
Nunca fora nada na vida, nem admitia a hipótese de vir a ser alguma coisa. E por muito tempo não quis nem sequer o que todos ali queriam: mudar-se para terra melhor.
Mas João Teodoro acompanhava com aperto de coração o deperecimento visível de sua Itaoca.
 - Isto já foi muito melhor, dizia consigo. Já teve três médicos bem bons – agora só um e bem ruinzote. Já teve seis advogados e hoje mal dá serviço para um rábula ordinário como o Tenório. Nem circo de cavalinhos bate mais por aqui. A gente que presta se muda. Fica o restolho. Decididamente, a minha Itaoca está acabando…
João Teodoro entrou a incubar a idéia de também mudar-se, mas para isso necessitava dum fato qualquer que o convencesse de maneira absoluta de que Itaoca não tinha mesmo conserto ou arranjo possível.
 - É isso, deliberou lá por dentro. Quando eu verificar que tudo está perdido, que Itaoca não vale mais nada de nada de nada, então arrumo a trouxa e boto-me fora daqui.
Um dia aconteceu a grande novidade: a nomeação de João Teodoro para delegado. Nosso homem recebeu a notícia como se fosse uma porretada no crânio. Delegado, ele! Ele que não era nada, nunca fora nada, não queria ser nada, não se julgava capaz de nada…
Ser delegado numa cidadezinha daquelas é coisa seríssima. Não há cargo mais importante. É o homem que prende os outros, que solta, que manda dar sovas, que vai à capital falar com o governo. Uma coisa colossal ser delegado – e estava ele, João Teodoro, de-le-ga-do de Itaoca!…
João Teodoro caiu em meditação profunda. Passou a noite em claro, pensando e arrumando as malas. Pela madrugada, botou-as num burro, montou no seu cavalo magro e partiu.
 - Que é isso, João? Para onde se atira tão cedo, assim de armas e bagagens?
 - Vou-me embora, respondeu o retirante. Verifiquei que Itaoca chegou mesmo ao fim.
 - Mas, como? Agora que você está delegado?
 - Justamente por isso. Terra em que João Teodoro chega a delegado, eu não moro. Adeus.
E sumiu.”

terça-feira, 13 de novembro de 2012

A canção dos homens -(Tolba Phanem)

                                    

                    

“Quando uma mulher, de certa tribo da África,
sabe que está grávida, segue para a selva com outras mulheres
e juntas rezam e meditam até que aparece a “canção da criança”.
 Quando nasce a criança, a comunidade se junta
e lhe cantam a sua canção.
 Logo, quando a criança começa sua educação,
o povo se junta e lhe cantam sua canção.
Quando se torna adulto, a gente se junta novamente e canta.
Quando chega o momento do seu casamento a pessoa escuta a sua canção.
Finalmente, quando sua alma está para ir-se deste mundo,
a família e amigos aproximam-se e,
igual como em seu nascimento,
cantam a sua canção para acompanhá-lo na "viagem".


"Nesta tribo da África há outra ocasião na qual os homens cantam a canção.
Se em algum momento da vida a pessoa comete um crime
ou um ato social aberrante, o levam até o centro do povoado
e a gente da  comunidade forma um círculo ao seu redor.
Então lhe cantam a sua canção".
"A tribo reconhece que a correção para as condutas
anti-sociais não é o castigo;
é o amor e a lembrança de sua verdadeira identidade.
Quando reconhecemos nossa própria canção
já não temos desejos nem necessidade de prejudicar ninguém."


"Teus amigos conhecem a "tua canção"
e a cantam quando a esqueces.
Aqueles que te amam não podem ser enganados pelos erros que cometes ou as escuras imagens que mostras aos demais.
Eles recordam tua beleza quando te sentes feio;
tua totalidade quando estás quebrado;
tua inocência quando te sentes culpado
e teu propósito quando estás confuso.“

(Tolba Phanem)

 

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

31 DE OUTUBRO DIA DO SACI

Nós amamos o Saci e no mês de agosto inteiro comemoramos os vários personagens do folclore brasileiro e principalemnte o Saci. Fizemos leitura do  maravilhoso livro "Adormeceu a Margarida ?" de Heloisa Penteado  que tem várias personagens de nosso folclore, destacando-se o saci-pererê .

Respeitamos muito nossa cultura e ensinamos e aprendemos a respeitar as outras também, visto que somos um povo que surgiu de uma grande confluência, formado, a princípio, a partir de uma miscigenação, que foi a mistura de basicamente três “raças”: o índio, o branco e o negro.
O Saci-Pererê é uma lenda do folclore brasileiro e originou-se entre as tribos indígenas do sul do Brasil. Com a influência da mitologia AFRICANA, o saci se transformou em um negrinho que perdeu a perna lutando capoeira, além disso, herdou o pito, uma espécie de cachimbo, e ganhou da mitologia EUROPÉIA
um gorrinho vermelho...

AFINAL ...
...[“cultura” é um processo contínuo que tem capacidade de superar as visões apocalípticas, adaptando-se aos novos tempos, linguagens e formatos da sociedade.]

VIVA O DIA DA SACI!!!

sexta-feira, 2 de novembro de 2012

,”Tenebrosa” sessão de fotos e Literatura Fantástica!




Recebemos recentemente em nossa Sala de Leitura um acervo esplêndido de literatura fantástica. Tudo de bom, pra nossos adolescentes! A apresentação dos títulos recebidos não poderia ser feita em melhor ocasião , no Halloween!
O primeiro registro do termo "Halloween" é de cerca 1745. Derivou da contracção do termo escocês "Allhallow-even" (véspera de Todos os Santos) que era a noite das bruxas.  Posto que, entre o pôr-do-sol do dia 31 de outubro e 1° de novembro, ocorria a noite sagrada (hallow evening, em inglês), acredita-se que assim se deu origem ao nome actual da festa: Hallow EveningHallowe'enHalloween. Rapidamente se conclui que o termo "Dia das bruxas" não é utilizado pelos povos de língua inglesa, sendo essa uma designação apenas dos povos de língua (oficial) portuguesa.



 Sendo assim, hoje dia 31 de outubro de 2012, nem gostosuras, nem travessuras, em nossa Sala de Leitura; brincamos com fantasias e maquiagem para uma “maravilhosa”, perdão,”tenebrosa” sessão de fotos e Literatura Fantástica!

Confira no vídeo:

domingo, 28 de outubro de 2012

O GATO PRETO

Pedro, desempregado há mais de dois anos, sustentava a mulher, quatro filhas e a pinga vendendo churrasco na entrada da favela. O emaranhado de vielas que separavam os barracos possuía apenas uma entrada e era ali que Pedro colocara sua tosca churrasqueira feita com dois tijolos de cimento e uma grelha velha de forno de fogão. Tinha uma clientela certa e satisfeita. Para muitos, o churrasco era a única refeição noturna e sempre havia uma pinga para beber. Outros compravam dois ou três e levavam para casa para que os filhos e esposa também comessem o churrasco de Pedro.
Pedro morava num dos inúmeros barracos da favela. Ele e a mulher vieram do norte em busca de uma vida melhor. No início, ele conseguiu trabalhar como servente nas obras que havia pela cidade.
 Com a crise ficou desempregado. Sua esposa trabalhava como empregada diarista. O diabetes impediu que ela continuasse. Lavava e passava roupa para algumas famílias. Tinham seis filhos, quatro moravam com eles, as meninas, e dois, os meninos, não tinham notícias deles.Estavam no mundo.
Todos os dias, após o almoço, Pedro saía de casa dizendo que ia comprar mais carne para os churrascos. Levava um isopor com gelo dentro de sacos para conservar a carne. Ele tomava um ônibus que o levava até um sítio cheio de gatos.
 Entrava, escondia-se no mato e atraia os gatos com cabeças de peixe que apanhava no lixo do mercado municipal. Quando dois ou três gatos se aproximavam para comer os peixes, matava-os a pauladas. Sempre cinco gatos. Colocava os gatos no isopor e saía do sítio.
 Chegando em casa se trancava na cozinha. A mulher e as filhas, assistindo televisão, não se preocupavam com o que ele fazia. Depois de limpos, Pedro colocava a carne nos espetos e guardava no congelador da geladeira.
O couro, as tripas e os ossos, enterrava no quintal.À noite vendia o seu delicioso churrasco de carne de primeira para a favela inteira.
Tudo corria bem nos negócios até que um dia, no sítio, depois de ter matado três gatos,deparou-se com uma gata amamentando quatro gatinhos. Pedro não pensou duas vezes:matou a gata e os quatro filhotes.
Guardou a gata no isopor e jogou os filhotes no mato.
Quando se virou, viu que um gato preto o observava. Sentiu que o gato presenciara tudo o que ele fizera. Um arrepio correu em sua espinha e o fez estremecer. Recuperou-se.
Tirou algumas cabeças de peixe do saco e tentou atrair o gato preto. Ele não se mexeu e continuou olhando fixamente para Pedro. Mais dois gatos apareceram e comeram as cabeças. P
edro os matou e partiu. Olhou para trás e viu que o gato o seguia. Apressou o passo, andou rápido, correu. Conseguiu despistar o gato.
Quando chegou em casa foi para a cozinha e preparou os gatos.Todas as vezes que voltava ao sítio, o gato preto o seguia e presenciava o que ele fazia.Pedro sentia-se incomodado com a presença do gato e não conseguia atraí-lo para matá-lo.
À noite estava no seu lugar habitual vendendo churrasco e pinga quando um carro bateu no poste de onde saía “os gatos” que iluminavam todas as casas da favela.
 Tudo ficou às escuras.Em sua casa, a mulher e as crianças acenderam velas. Uma das meninas colocou uma vela perto da roupa que estava sobre o sofá para ser passada.
Deitaram-se e dormiram. Acordaram com o barraco tomado pelas chamas. Logo o fogo se espalhou para os outros barracos.
Os bombeiros chegaram, mas não conseguiram vencer o fogo.
A favela foi destruída pelo fogo.Muitos moradores foram levados ao hospital porque se intoxicaram com a fumaça tentando salvar seus poucos bens.
Apenas cinco pessoas morreram: a esposa e as quatro filhas de Pedro. Elas foram encontradas carbonizadas. Morreram abraçadas no meio da casa. Quando Pedro soube da notícia ele ouviu um miado e viu o gato preto se afastando. 


História retirada do livro O pacto maldito e outras histórias de morte de Silva, José Cláudio da, 1959



quinta-feira, 25 de outubro de 2012

ALMA DE GATO -Ademar Vidal


Entre os mitos da rua Direita existe um outro que vive nos quintais das casas de residência. Geralmente os quintais dessa rua, são pequenos, com um mesmo tipo retangular, cercados de muros e mais ou menos enfeitados de fruteiras. Nesta área restrita habita a alma de gato. Não tem hora para aparecer às crianças desobedientes. É uma sombra que passa numa esquina de parede; uma sombra que de repente se some atrás de uma porta ou de um móvel, ou que faz uma árvore do jardim balançar levemente; ou ainda um barulho que se ouve perto ou longe. Tudo serve. A alma de gato dispõe de uma agilidade rara. Durante o dia apenas se vê o impreciso. Ou, melhor: nada se vê, sente-se. A sensibilidade é que fica alerta e colhe os movimentos como se fora antena de rádio.

A luz do dia desencanta o mistério, tornando a vida mais real. Mas quando entra a noite, com todo o seu cortejo de bruxos, então é que a alma de gato começa a ser notada materialmente. Não se espantem: materialmente. Ela mostra toda a conformação física de um gato comum. Gato preto. Os olhos destilam luminosidades de fogo. A luz desses olhos é vermelha — e é de tanta intensidade que parece originária de archotes. O destino desse bicho não é arranhar, morder ou ocasionar males semelhantes. O seu destino tem formas mais suaves. Ele só se apresenta para despertar medo aos meninos. O seu vulto rápido na apresentação consegue obter o milagre de respeito só comparável a outros mitos de grande influência na imaginação infantil.

O prestígio da alma de gato toma conta de toda uma casa, principalmente o quintal, onde vive e reina com poderes imperiais. Com o dia o menino brinca solto e feliz no quintal de sua casa. A alma do gato anda por longe, nem se sente o menor sintoma. Porém, de súbito o vento balança fortemente o arvoredo e, se alguém disser alguma palavra sobre assombração, ou olhar cheio de curiosidade para um ponto qualquer, é o bastante — todos se lembram logo da alma de gato, enquanto uma onda dec receio se avoluma e se ergue ameaçadora. Quando chega a noite, o fantasma fica senhor absoluto dos quintais. Nenhum menino tem coragem de ir lá fora sem ser acompanhado de gente grande. Não vai. Mesmo que a noite não seja escura, que a lua ilumine e dissipe as sombras, ainda assim o quintal se acha invadido do mistério da alma de gato, não sendo raro se notar um moviniento, por mais sutil, que venha a confirmar a existência do mito. Às vezes é mesmo um gato que passa, ou um morcego que chia ou que põe abaixo um sapoti.

Os gatos da rua Direita são uns danados durante a noite. Fazem correrias medonhas. Afastam as telhas dos seus lugares. Brigam, só brigam por amor. Fazem uma gritaria infernal. E a raça cada vez mais se multiplica. A população de gatos anda quase em parelha com a população de gente. Esse barulho noturno é que mais infunde respeito e receio às crianças. Então, quando não podem dormir, e que a insônia lhes toma todas as preocupações, fazendo-as ficar de olho duro e enxuto, a rumorosa batalha dos gatos tem uma significação terrível. Raro é o menino que fica no seu berço ou que não reclama uma pessoa maior ao seu lado. A alma de gato toma posição e demonstra prestígio avassalador ao lado de outros duendes. A conseqüência desse temor traz certo descanso aos pais, principalmente às criadas, que são as que mais fazem ameaças e que, a todo momento, lembram os poderes extraordinários do mito animal.

O estranho nisso tudo é que nenhum malefício físico imaginário se pode esperar. Não é como outros fantasmas que acenam com a morte, que costumam carregar as crianças para longe, ameaçando, fazendo longas e maçantes viagens. A alma de gato é como se fora alma do outro mundo: só faz medo e mais nada; nem sequer se usa da velha frase: "Ele vem buscar você".
(Vidal, Ademar. Lendas e superstições; contos populares brasileiros. Rio de Janeiro, Empresa Gráfica O Cruzeiro, 1950, p.33-34)


 
 

sábado, 20 de outubro de 2012

O LIXO Luís Fernando Veríssimo

Encontram-se na área de serviço. Cada um com seu pacote de lixo. É a primeira vez que se falam.
- Bom dia...
- Bom dia
- A senhora é do 610.
 - E o senhor do 612
- É.
 - Eu ainda não lhe conhecia pessoalmente...
 - Pois é... - Desculpe a minha indiscrição, mas tenho visto o seu lixo...
 - O meu quê?
 - O seu lixo.
 - Ah...
 - Reparei que nunca é muito. Sua família deve ser pequena...
- Na verdade sou só eu. - Mmmm. Notei também que o senhor usa muito comida em lata.
- É que eu tenho que fazer minha própria comida. E como não sei cozinhar...
- Entendo.

 - A senhora também...
 - Me chame de você.
- Você também perdoe a minha indiscrição, mas tenho visto alguns restos de comida em seu lixo. Champignons, coisas assim...
 - É que eu gosto muito de cozinhar. Fazer pratos diferentes. Mas, como moro sozinha, às vezes sobra...
- A senhora... Você não tem família?
 - Tenho, mas não aqui.
 - No Espírito Santo.
- Como é que você sabe?
 - Vejo uns envelopes no seu lixo. Do Espírito Santo.
 - É. Mamãe escreve todas as semanas.
 - Ela é professora?
- Isso é incrível! Como foi que você adivinhou?
- Pela letra no envelope. Achei que era letra de professora.
 - O senhor não recebe muitas cartas. A julgar pelo seu lixo.
- Pois é... - No outro dia tinha um envelope de telegrama amassado.
- É.
 - Más notícias?
- Meu pai. Morreu.
 - Sinto muito.
- Ele já estava bem velhinho. Lá no Sul. Há tempos não nos víamos.
- Foi por isso que você recomeçou a fumar?
- Como é que você sabe?
 - De um dia para o outro começaram a aparecer carteiras de cigarro amassadas no seu lixo.
- É verdade. Mas consegui parar outra vez.
 - Eu, graças a Deus, nunca fumei.
- Eu sei. Mas tenho visto uns vidrinhos de comprimido no seu lixo...
- Tranquilizantes. Foi uma fase. Já passou.
- Você brigou com o namorado, certo?
- Isso você também descobriu no lixo?
- Primeiro o buquê de flores, com o cartãozinho, jogado fora. Depois, muito lenço de papel.
 - É, chorei bastante, mas já passou.
- Mas hoje ainda tem uns lencinhos...
- É que eu estou com um pouco de coriza.
- Ah. - Vejo muita revista de palavras cruzadas no seu lixo.
 - É. Sim. Bem. Eu fico muito em casa. Não saio muito. Sabe como é.
 - Namorada?
- Não.
- Mas há uns dias tinha uma fotografia de mulher no seu lixo. Até bonitinha.
- Eu estava limpando umas gavetas. Coisa antiga.
 - Você não rasgou a fotografia. Isso significa que, no fundo, você quer que ela volte.
- Você já está analisando o meu lixo!
- Não posso negar que o seu lixo me interessou.
- Engraçado. Quando examinei o seu lixo, decidi que gostaria de conhecê-la. Acho que foi a poesia
. - Não! Você viu meus poemas?
- Vi e gostei muito
. - Mas são muito ruins!
- Se você achasse eles ruins mesmo, teria rasgado. Eles só estavam dobrados.
 - Se eu soubesse que você ia ler...
 - Só não fiquei com eles porque, afinal, estaria roubando. Se bem que, não sei: o lixo da pessoa ainda é propriedade dela?
- Acho que não. Lixo é domínio público.
- Você tem razão. Através do lixo, o particular se torna público. O que sobra da nossa vida privada se integra com a sobra dos outros. O lixo é comunitário. É a nossa parte mais social. Será isso?
- Bom, aí você já está indo fundo demais no lixo. Acho que... - Ontem, no seu lixo...
- O quê?
- Me enganei, ou eram cascas de camarão?
- Acertou. Comprei uns camarões graúdos e descasquei.
 - Eu adoro camarão.
- Descasquei, mas ainda não comi. Quem sabe a gente pode...
 - Jantar juntos?
- É.
 - Não quero dar trabalho.
- Trabalho nenhum.
 - Vai sujar a sua cozinha?
- Nada. Num instante se limpa tudo e põe os restos fora.
- No seu lixo ou no meu?

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

O homem que espalhou o deserto - Ignácio de Loyola.

Quando menino, costumava apanhar a tesoura da mãe e ia para o quintal, cortando folhas das árvores.

 Havia mangueiras, abacateiros, ameixeiras, pessegueiros e até mesmo jabuticabeiras. Um quintal enorme, que parecia uma chácara e onde o menino passava o dia cortando folhas. A mãe gostava, assim ele não ia para a rua, não andava em más companhias. E sempre que o menino apanhava o seu caminhão de madeira (naquele tempo, ainda não havia os caminhões de plástico, felizmente) e cruzava o portão, a mãe corria com a tesoura: tome filhinho, venha brincar com as suas folhas. Ele voltava e cortava. As árvores levavam vantagem, porque eram imensas e o menino pequeno.

O seu trabalho rendia pouco, apesar do dia-a-dia constante, de manhã à noite.

Mas o menino cresceu, ganhou tesouras maiores. Parecia determinado, à medida que o tempo passava, a acabar com as folhas todas. Dominado por uma estranha impulsão, ele não queria ir à escola, não queria ir ao cinema, não tinha namoradas ou amigos. Apenas tesouras, das mais diversas qualidades e tipos. Dormia com elas no quarto. À noite, com uma pedra de amolar, afiava bem os cortes, preparando-as para as tarefas do dia seguinte.
Às vezes, deixava aberta a janela, para que o luar brilhasse nas tesouras polidas.A mãe, muito contente, apesar do filho detestar a escola e ir mal nas letras. Todavia, era um menino comportado, não saía de casa, não andava em más companhias, não se embriagava aos sábados como os outros meninos do quarteirão, não frequentava ruas suspeitas onde mulheres pintadas exageradamente se postavam às janelas, chamando os incautos. Seu único prazer eram as tesouras e o corte das folhas.
Só que, agora, ele era maior e as árvores começaram a perder. Ele demorou apenas uma semana para limpar a jabuticabeira. Quinze dias para a mangueira menor e vinte e cinco para a maior. Quarenta dias para o abacateiro que era imenso, tinha mais de cinquenta anos. E seis meses depois, quando concluiu, já a jabuticabeira tinha novas folhas e ele precisou recomeçar.
Certa noite, regressando do quintal agora silencioso, porque o desbastamento das árvores tinha afugentado pássaros e destruído ninhos, ele concluiu que de nada adiantaria podar as folhas. Elas se recomporiam sempre. É uma capacidade da natureza, morrer e reviver.
Como o seu cérebro era diminuto, ele demorou meses para encontrar a solução: um machado.
Numa terça-feira, bem cedo, que não era de perder tempo, começou a derrubada do abacateiro. Levou dez dias, porque não estava habituado a manejar machados, as mãos calejaram, sangraram. Adquirida a prática, limpou o quintal e descansou aliviado. Mas insatisfeito, porque agora passava os dias a olhar aquela desolação, ele saiu de machado em punho, para os arredores da cidade. Onde encontrava árvore, capões, matos, atacava, limpava, deixava os montes de lenha arrumadinhos para quem quisesse se servir. Os donos dos terrenos não se importavam, estavam em via de vende-los para fábricas ou imobiliárias e precisavam de tudo limpo mesmo.
E o homem do machado descobriu que podia ganhar a vida com o seu instrumento. Onde quer que precisassem derrubar árvores, ele era chamado. Não parava. Contratou uma secretária para organizar uma agenda. Depois, auxiliares. Montou uma companhia, construiu edifícios para guardar machados, abrigar seus operários devastadores. Importou tratores e máquinas especializadas do estrangeiro. Mandou assistentes fazerem cursos nos Estados Unidos e Europa. Eles voltaram peritos de primeira linha. E trabalhavam, derrubavam. Foram do sul ao norte, não deixando nada em pé. Onde quer que houvesse uma folha verde, lá estava uma tesoura, um machado, um aparelho eletrônico para arrasar.
E enquanto ele ficava milionário, o país se transformava num deserto, terra calcinada. E então, o governo, para remediar, mandou buscar em Israel técnicos especializados em tornar férteis as terras do deserto. E os homens mandaram plantar árvores. E enquanto as árvores eram plantadas, o homem do machado ensinava ao filho sua profissão.

 (BRANDÃO, Ignácio de Loyola. Cadeiras proibidas. Rio de Janeiro. Editora Codecri, 1979)

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Rubem Alves - Texto "Saco de Brinquedos"


...Eu quis transcrever esse texto, hoje, porque talvez você entenda, de uma vez por todas, que embora cresçamos, continuamos querendo brincar, como crianças.
Você admira o outro, em última análise, por imaginar o tanto de brincadeira que pode estar guardada dentro dele, pra vocês brincarem juntos; e se depois de conhecer o saco de brinquedos que ele traz você ainda não se cansa, e continua ficando feliz só de pensar em brincar com ele, e o mesmo se dá entre ele e você... vocês têm tudo para ser felizes de verdade!
 
 
Meu pai me contou que, quando era menino, no início do século passado, guardava seus brinquedos num saco. Os brinquedos que meu pai menino guardava no saco: latas vazias, pedaços de barbante, sementes, sabugos de milho, botões, pedaços de pau, pedrinhas e todo tipo de coisas inúteis. Quando alguém aparecia para visitar minha avó ele pegava o saco de brinquedos e o esvaziava diante da visita. Certamente achava seus brinquedos interessantíssimos! A mãe dele ficava furiosa e lhe aplicava o devido corretivo de chineladas depois que a visita ia embora. A chinela era um dos itens favoritos que minha avó guardava no saco de brinquedos dela. As crianças continuam as mesmas. Ainda gostam de mostrar brinquedos. A gente cresce e continua criança. "Em todo homem há uma criança que deseja brincar..." (Nietzsche). E todos temos o nosso saco de brinquedos. A fala somos nós abrindo o saco e despejando brinquedos... O saco de brinquedos..
 

http://blogdasuzi.blogspot.com.br/2009/10/um-texto-de-rubem-alves-sobre-crianca.html

sábado, 6 de outubro de 2012

A menina que roubava livros-Markus Zusak

 

Sinopse 

A trajetória de Liesel Meminger é contada por uma narradora mórbida, surpreendentemente simpática. Ao perceber que a pequena ladra de livros lhe escapa, a Morte afeiçoa-se à menina e rastreia suas pegadas de 1939 a 1943. Traços de uma sobrevivente: a mãe comunista, perseguida pelo nazismo, envia Liesel e o irmão para o subúrbio pobre de uma cidade alemã, onde um casal se dispõe a adotá-los por dinheiro. O garoto morre no trajeto e é enterrado por um coveiro que deixa cair um livro na neve. É o primeiro de uma série que a menina vai surrupiar ao longo dos anos. O único vínculo com a família é esta obra, que ela ainda não sabe ler.
Assombrada por pesadelos, ela compensa o medo e a solidão das noites com a conivência do pai adotivo, um pintor de parede bonachão que lhe dá lições de leitura. Alfabetizada sob vistas grossas da madrasta, Liesel canaliza urgências para a literatura. Em tempos de livros incendiados, ela os furta, ou os lê na biblioteca do prefeito da cidade.
A vida ao redor é a pseudo-realidade criada em torno do culto a Hitler na Segunda Guerra. Ela assiste à eufórica celebração do aniversário do Führer pela vizinhança. Teme a dona da loja da esquina, colaboradora do Terceiro Reich. Faz amizade com um garoto obrigado a integrar a Juventude Hitlerista. E ajuda o pai a esconder no porão um judeu que escreve livros artesanais para contar a sua parte naquela História. A Morte, perplexa diante da violência humana, dá um tom leve e divertido à narrativa deste duro confronto entre a infância perdida e a crueldade do mundo adulto, um sucesso absoluto - e raro - de crítica e público.

A Menina que odiava livros – Manjusha Pawagi e Jeanne Franson

Esta é a história de Meena, uma garota que simplesmente odiava os livros. Mas ela não conseguia ficar longe deles, porque em sua casa eles estavam por toda parte: nos armários da cozinha, nas gavetas, nas mesas, nos guarda-roupas e nas cômodas. Estavam também sobre o sofá, alguns entulhados na banheira e outros empilhados nas cadeiras. Mas um dia o gatinho de Meena derrubou uma pilha enorme de livros infantis. Abertas pela primeira vez, as páginas dos livros libertaram os personagens e animais das histórias, que invadiram a sala, fazendo uma grande bagunça. Esse acontecimento mágico fez Meena viajar pelo fantástico mundo da literatura.


LIVRO SELECIONADO PELO CANADIAN CHILDREN’S BOOK CENTRE.
INDICADO PARA O PRÊMIO BLUE SPURE.
 PUBLICADO TAMBÉM NA AUSTRÁLIA E NA FRANÇA.



sábado, 22 de setembro de 2012

A Pequena Vendedora de Fósforos-Hans Christian Andersen

Fazia um frio terrível; caía a neve e estava quase escuro; a noite descia: a última noite do ano.
Em meio ao frio e à escuridão uma pobre menininha, de pés no chão e cabeça descoberta, caminhava pelas ruas.
Quando saiu de casa trazia chinelos; mas de nada adiantavam, eram chinelos tão grandes para seus pequenos pézinhos, eram os antigos chinelos de sua mãe.
A menininha os perdera quando escorregara na estrada, onde duas carruagens passaram terrivelmente depressa, sacolejando.
Um dos chinelos não mais foi encontrado, e um menino se apoderara do outro e fugira correndo.
Depois disso a menininha caminhou de pés nus – já vermelhos e roxos de frio.
Dentro de um velho avental carregava alguns fósforos, e um feixinho deles na mão.
Ninguém lhe comprara nenhum naquele dia, e ela não ganhara sequer um níquel.
Tremendo de frio e fome, lá ia quase de rastos a pobre menina, verdadeira imagem da miséria!
Os flocos de neve lhe cobriam os longos cabelos, que lhe caíam sobre o pescoço em lindos cachos; mas agora ela não pensava nisso.
Luzes brilhavam em todas as janelas, e enchia o ar um delicioso cheiro de ganso assado, pois era véspera de Ano-Novo.
Sim: nisso ela pensava!
Numa esquina formada por duas casas, uma das quais avançava mais que a outra, a menininha ficou sentada; levantara os pés, mas sentia um frio ainda maior.
Não ousava voltar para casa sem vender sequer um fósforo e, portanto sem levar um único tostão.
O pai naturalmente a espancaria e, além disso, em casa fazia frio, pois nada tinham como abrigo, exceto um telhado onde o vento assobiava através das frinchas maiores, tapadas com palha e trapos.
Suas mãozinhas estavam duras de frio.
Ah! bem que um fósforo lhe faria bem, se ela pudesse tirar só um do embrulho, riscá-lo na parede e aquecer as mãos à sua luz!
Tirou um: trec! O fósforo lançou faíscas, acendeu-se.
Era uma cálida chama luminosa; parecia uma vela pequenina quando ela o abrigou na mão em concha…
Que luz maravilhosa!
Com aquela chama acesa a menininha imaginava que estava sentada diante de um grande fogão polido, com lustrosa base de cobre, assim como a coifa.
Como o fogo ardia! Como era confortável!
Mas a pequenina chama se apagou, o fogão desapareceu, e ficaram-lhe na mão apenas os restos do fósforo queimado.
Riscou um segundo fósforo.
Ele ardeu, e quando a sua luz caiu em cheio na parede ela se tornou transparente como um véu de gaze, e a menininha pôde enxergar a sala do outro lado. Na mesa se estendia uma toalha branca como a neve e sobre ela havia um brilhante serviço de jantar. O ganso assado fumegava maravilhosamente, recheado de maçãs e ameixas pretas. Ainda mais maravilhoso era ver o ganso saltar da travessa e sair bamboleando em sua direção, com a faca e o garfo espetados no peito!
Então o fósforo se apagou, deixando à sua frente apenas a parede áspera, úmida e fria.
Acendeu outro fósforo, e se viu sentada debaixo de uma linda árvore de Natal. Era maior e mais enfeitada do que a árvore que tinha visto pela porta de vidro do rico negociante.
Milhares de velas ardiam nos verdes ramos, e cartões coloridos, iguais aos que se vêem nas papelarias, estavam voltados para ela. A menininha espichou a mão para os cartões, mas nisso o fósforo apagou-se. As luzes do Natal subiam mais altas. Ela as via como se fossem estrelas no céu: uma delas caiu, formando um longo rastilho de fogo.
“Alguém está morrendo”, pensou a menininha, pois sua vovozinha, a única pessoa que amara e que agora estava morta, lhe dissera que quando uma estrela cala, uma alma subia para Deus.
Ela riscou outro fósforo na parede; ele se acendeu e, à sua luz, a avozinha da menina apareceu clara e luminosa, muito linda e terna.
  • Vovó! – exclamou a criança.
  • Oh! leva-me contigo!
Sei que desaparecerás quando o fósforo se apagar!
Dissipar-te-ás, como as cálidas chamas do fogo, a comida fumegante e a grande e maravilhosa árvore de Natal!
E rapidamente acendeu todo o feixe de fósforos, pois queria reter diante da vista sua querida vovó. E os fósforos brilhavam com tanto fulgor que iluminavam mais que a luz do dia. Sua avó nunca lhe parecera grande e tão bela. Tornou a menininha nos braços, e ambas voaram em luminosidade e alegria acima da terra, subindo cada vez mais alto para onde não havia frio nem fome nem preocupações – subindo para Deus.
Mas na esquina das duas casas, encostada na parede, ficou sentada a pobre menininha de rosadas faces e boca sorridente, que a morte enregelara na derradeira noite do ano velho.
O sol do novo ano se levantou sobre um pequeno cadáver.
A criança lá ficou, paralisada, um feixe inteiro de fósforos queimados. – Queria aquecer-se – diziam os passantes.
Porém, ninguém imaginava como era belo o que estavam vendo, nem a glória para onde ela se fora com a avó e a felicidade que sentia no dia do Ano­ Novo.”

Garoto de meias vermelhas

Ele era um garoto triste. Procurava estudar muito.
Na hora do recreio ficava afastado dos colegas, como se estivesse procurando alguma coisa.
Todos os outros meninos zombavam dele, por causa das suas meias vermelhas.
Um dia, o cercaram e lhe perguntaram porque ele só usava meias vermelhas.
Ele falou, com simplicidade:
"no ano passado, quando fiz aniversário, minha mãe me levou ao circo".
Colocou em mim essas meias vermelhas.
Eu reclamei. Comecei a chorar.
Disse que todo mundo iria rir de mim, por causa das meias vermelhas.
Mas ela disse que tinha um motivo muito forte para me colocar as meias vermelhas.
Disse que se eu me perdesse, bastaria ela olhar para o chão e quando visse um menino
de meias vermelhas, saberia que o filho era dela."

"Ora", disseram os garotos. "mas você não está num circo.
Por que não tira essas meias vermelhas e as joga fora?"
O menino das meias vermelhas olhou para os próprios pés,
talvez para disfarçar o olhar lacrimoso e explicou:
"é que a minha mãe abandonou a nossa casa e foi embora".
Por isso eu continuo usando essas meias vermelhas.
"Quando ela passar por mim, em qualquer lugar em que eu esteja,
ela vai me encontrar e me levará com ela."

Muitas almas existem, na Terra, solitárias e tristes, chorando um amor que se foi.
Colocam meias vermelhas, na expectativa de que alguém as identifique,
em meio à multidão, e as leve para a intimidade do próprio coração.
São crianças, cujos pais as deixaram, um dia, em braços alheios,
enquanto eles mesmos se lançaram à procura de tesouros, nem sempre reais.
Lesadas em sua afetividade, vivem cada dia à espera do retorno dos amores,
ou de alguém que lhes chegue e as aconchegue.
Têm sede de carinho e fome de afeto.
Trazem o olhar triste de quem se encontra sozinho e anseia por ternura.
São idosos recolhidos a lares e asilos, às dezenas.
Ficam sentados em suas cadeiras, tomando sol, as pernas estendidas,
aguardando que alguém identifique as meias vermelhas.
Aguardam gestos de carinho, atenções pequenas.
Marcam no calendário, para não se perderem, a data da próxima visita,
do aniversário, da festividade especial.
Aguardam...

São homens e mulheres que se levantam todos os dias, saem de casa,
andam pelas ruas, sempre à espera de alguém que partiu, retorne.
Que o filho que tomou o rumo do mundo e não mais escreveu,
nem deu notícia alguma, volte ao lar.
São namorados, noivos, esposos que viram o outro sair de casa,
um dia, e esperam o retorno.
Almas solitárias. Lesadas na afetividade. Carentes.

Pense nisso!
O amor, sem dúvida, é lei da vida.
Ninguém no mundo pode medir a resistência de um coração
quando abandonado por outro.
E nem pode aquilatar da qualidade das reações que virão daqueles
que emurchecem aos poucos, na dor da afeição incompreendida.
Todos devemos respeito uns aos outros.
Somos responsáveis pelos que cativamos ou nos confiam seus corações.
Se alguém estiver usando meias vermelhas, por nossa causa, pensemos se esse
não é o momento de recompor o que se encontra destroçado,
trabalhando a terra do nosso coração.
A maior de todas as artes é a arte de viver juntos.

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

VELHA HISTÓRIA _ Mario Quintana

Era uma vez um homem que estava pescando, Maria. Até que apanhou um peixinho! Mas o peixinho era tão pequenininho e inocente, e tinha um azulado tão indescritível nas escamas, que o homem ficou com pena. E retirou cuidadosamente o anzol e pincelou com iodo a garganta do coitadinho. Depois guardou-o no bolso traseiro das calças, para que o animalzinho sarasse no quente. E desde então, ficaram inseparáveis. Aonde o homem ia, o peixinho o acompanhava, a trote, que nem um cachorrinho. Pelas calçadas. Pelos elevadores. Pelo café. Como era tocante vê-los no "17"! o homem, grave, de preto, com uma das mãos segurando a xícara de fumegante moca, com a outra lendo o jornal, com a outra fumando, com a outra cuidando do peixinho, enquanto este, silencioso e levemente melancólico, tomava laranjada por um canudinho especial...
Ora, um dia o homem e o peixinho passeavam à margem do rio onde o segundo dos dois fora pescado. E eis que os olhos do primeiro se encheram de lágrimas. E disse o homem ao peixinho: "Não, não me assiste o direito de te guardar comigo. Por que roubar-te por mais tempo ao carinho do teu pai, da tua mãe, dos teus irmãozinhos, da tua tia solteira? Não, não e não! Volta para o seio da tua família. E viva eu cá na terra sempre triste!..." Dito isso, verteu copioso pranto e, desviando o rosto, atirou o peixinho n’água. E a água fez redemoinho, que foi depois serenando, serenando... até que o peixinho morreu afogado... (Quintana, 1976, p. 105)

sábado, 15 de setembro de 2012

UMA IDÉIA TODA AZUL-Marina Colasanti

   


Um dia o rei teve uma idéia. Era a primeira da vida toda e, tão maravilhado ficou com aquela idéia azul, que não quis saber de contar aos ministros. Desceu com ela para o jardim, correu com ela nos gramados, brincou com ela de esconder entre outros pensamentos, encontrando-a sempre com alegria, linda idéia dele toda azul.

Brincaram até o rei adormecer encostado numa árvore.

Foi acordar tateando a coroa e procurando a idéia, para perceber o perigo. Sozinha no seu sono, solta e tão bonita, a idéia poderia ter chamado a atenção de alguém. Bastaria esse alguém pegá-la e levá-la. É tão fácil roubar uma idéia! Quem jamais saberia que já tinha dono?

Com a idéia escondida debaixo do manto, o rei voltou para o castelo. Esperou a noite. Quando todos os olhos se fecharam, ele saiu dos seus aposentos, atravessou salões, desceu escadas, subiu degraus, até chegar ao corredor das salas do tempo. Portas fechadas e o silêncio. Que sala escolher?

Diante de cada porta o rei parava, pensava e seguia adiante. Até chegar à sala do sono. Abriu. Na sala acolchoada, os pés do rei afundavam até o tornozelo, o olhar se embaraçava em gases, cortinas e véus pendurados como teias. Sala de quase escuro, sempre igual. O rei deitou a idéia adormecida na cama de marfim, baixou o cortinado, saiu e trancou a porta.

A chave prendeu no pescoço em grossa corrente. E nunca mais mexeu nela.

O tempo correu seus anos. Idéias o rei não teve mais, nem sentiu falta, tão ocupado estava em governar. Envelhecia sem perceber, diante dos educados espelhos reais que mentiam a verdade. Apenas sentia-se mais triste e mais só, sem que nunca mais tivesse tido vontade de brincar nos jardins.

Só os ministros viam a velhice do rei. Quando a cabeça ficou toda branca, disseram-lhe que já podia descansar, e o libertaram do manto.

Posta a coroa sobre a almofada, o rei logo levou a mão à corrente.

Ninguém mais se ocupa de mim – dizia, atravessando salões, descendo escadas a caminho da sala do tempo. Ninguém mais me olha – dizia. Agora, posso buscar minha linda idéia e guardá-la só para mim.

Abriu a porta, levantou o cortinado.

Na cama de marfim, a idéia dormia azul como naquele dia.

Como naquele dia, jovem, tão jovem, uma idéia menina. E linda. Mas o rei não era mais o rei daquele dia. Entre ele e a idéia estava todo o tempo passado lá fora, o tempo todo parado na sala do sono. Seus olhos não viam na idéia a mesma graça. Brincar não queria, nem rir. Que fazer com ela? Nunca mais saberiam estar juntos como naquele dia.

Sentado na beira da cama o rei chorou suas duas últimas lágrimas, as que tinha guardado para a maior tristeza.

Depois, baixou o cortinado e, deixando a idéia adormecida, fechou para sempre a porta.

Moral: idéia não é para ficar adormecida, mas para ser realizada, sob pena de se perder.

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

RESULTADO PESQUISA DE INTENÇÃO DE VOTOS

PREFEITO DA CIDADE DE SÃO PAULO
Realizada no Blog Clube da Leitura – EMEF Profª Marili Dias
Participaram da pesquisa 618 pessoas no período de 02 de setembro a 2 de outubro de 2012. Cidadãos que participaram da pesquisa = estudantes do EFII e seguidores do CLUBE DA LEITURA. ESTIMATIVA EM %
 
 
PESQUISA DATAFOLHA
 
Russomanno volta a subir e abre 14 pontos de vantagem sobre adversários Serra oscila para 21% e agora está em empate técnico com Haddad, que atingiu 16%

O candidato do PRB a prefeitura de São Paulo, Celso Russomanno, cresceu quatro pontos na preferência do eleitor em menos de uma semana e agora tem 35% das intenções de voto na capital paulista. Essa alta, aliada à oscilação negativa de José Serra (PSDB), de 22% nos dias 28 e 29 de agosto para os atuais 21%, amplia de nove para 14 pontos a vantagem de Russomanno sobre o tucano.
 
O candidato do PSDB está agora em situação de empate técnico com Fernando Haddad (PT), que oscilou de 14% para 16% desde a última pesquisa Datafolha. Os demais candidatos continuam no mesmo patamar de indicações de voto: Gabriel Chalita (PMDB) manteve 7%; Soninha (PPS) oscilou de 4% para 5%; Paulinho da Força (PDT) oscilou de 2% para 1%; Carlos Giannazi (PSol) e Ana Luiza, (PSTU) continuam com 1%, mesmo índice obtido por Eymanel (PSDC). Os candidatos Levy Fidelix (PRTB) e e Anaí Caproni (PCO) foram citados mas não atingiram 1%. A fatia dos que não souberam se posicionar em relação a esses nomes oscilou de 7% para 4% desde o levantamento anterior.
 
O mesmo ocorreu com o índice dos que dizem votar em branco, nulo ou em nenhum dos candidatos, que foi de 10% para 8%. Foram ouvidos 1078 eleitores de São Paulo, com 16 anos ou mais, nos dias 3 e 4 de setembro de 2012. A margem de erro máxima, para o total da amostra, é de três pontos percentuais, para mais ou para menos. Na comparação com a pesquisa concluída em 29 de agosto, Russomanno ganhou quatro pontos entre os homens (de 33% para 37%) e cinco pontos entre as mulheres (de 29% para 34%).
 
A alta do candidato do PRB foi mais acentuada no eleitorado mais velho: entre os que têm de 45 a 59 anos, ele passou de 27% para 36%, e entre quem tem mais de 60 anos, de 30% para 37%. Nessa última fatia do eleitorado, Russomanno aparece à frente de Serra pela primeira vez.
 
 O candidato também ganhou oito pontos entre os eleitores de ensino fundamental (de 33% para 41%) e seis pontos entre aqueles com renda mensal familiar de 2 a 5 salários mínimos (de 36% para 42%). Na fatia do eleitorado com renda familiar de 5 a 10 salários mínimos, o candidato do PT, Fernando Haddad, subiu de 11% para 20% e agora está empatado com José Serra, que recuou de 28% para 21% nesse segmento.
 
O levantamento mostra que Russomanno retomou a liderança, ao lado de Haddad, entre os eleitores que têm o PT como partido preferido. Na pesquisa concluída em 29 de agosto, o candidato do PRB tinha 29% das indicações nesse segmento, oscilação negativa de quatro pontos na comparação com pesquisa de 20 de agosto.
 
 O ex-ministro da Educação, no mesmo período, aparecia com 40%. No levantamento atual, no entanto, ele oscilou para 37% e está no mesmo patamar do adversário. Entre os eleitores que avaliam como ótimo ou bom o governo Dilma Roussefff, 36% indicam votar em Russomanno, 22% em Haddad, e 17%, em Serra.
 
O candidato do PRB também lidera entre os que consideram o governo da petista regular (35%) e ruim ou péssimo (32%). No caso dos eleitores que aprovam o governo de Geraldo Alckmin (PSDB), Russomanno e Serra dividem a preferência do eleitor, com 33% e 32% das intenções de voto, respectivamente.
 
O quadro muda entre os que avaliam a gestão do tucano à frente do Estado como regular, quando Russomanno é novamente o preferido (38%) e Serra empata fica mais próximo de Haddad (14% e 20%, respectivamente). Entre os eleitores que avaliam a gestão de Gilberto Kassab (PSD) como ótima ou boa, Russomanno (32%) e Serra (29%) dividem a preferência do eleitor. Na fatia dos que veem a atual administração de São Paulo como regular, o candidato do PRB fica com 32% das intenções de voto, ante 25% de Serra e 14% do candidato do PT.
Entre os que desaprovam o governo Kassab, a vantagem de Russomanno é maior: tem 40%, ante 17% de Haddad e 14% do tucano. O Datafolha também analisou a preferência dos eleitores em relação aos que aprovam e desaprovam os governos já encerrados de Lula (PT), no plano federal, de Marta Suplicy (PT), no plano municipal, e de Serra, como governador e como prefeito. No caso de Lula, 39% dos que avaliam seu governo como ótimo ou bom dizem que irão votar em Russomanno, enquanto 16% optam por Serra, e 20%, por Haddad.
Entre os que veem o governo do petista como regular, 22% pretendem votar em Russomanno, 32%, em Serra, e 9%, em Haddad. O candidato do PSDB lidera (34%) entre os que avaliam a administração Lula como ruim ou péssima, tendo Russomanno em segundo lugar (28%). No eleitorado que vê a gestão Serra no governo estadual como ótima ou boa, 41% declaram intenção de voto no tucano para prefeito.
Outros 28% optam por Russomanno, e 12%, por Haddad. Entre os que avaliam a mesma gestão como regular, 40% optam por Russomanno, 15%, por Serra, e 14%, por Haddad.
Na fatia que desaprova o desempenho de Serra como governador, o candidato do PRB lidera, com 41%, seguido por Haddad (24%).
A tendência é a mesma na avaliação da gestão de Serra como prefeito de São Paulo: ele lidera entre os que a aprovam, divide o segundo lugar com Haddad entre os que a veem como regular, e, entre os que a desaprovam, fica distante de Russomanno e Haddad.
  Em relação à gestão de Marta Suplicy na prefeitura, Russomanno lidera tanto entre os que a aprovam quanto entre os eleitores que a desaprovam.
No segmento que avalia o governo da petista como ótimo ou bom, o candidato do PRB aparece com 39% das intenções de voto, seguido por Haddad (21%) e Serra (14%).
Entre os que veem o governo Marta como regular, Russomanno obtém 32%, Serra, 25%, e Haddad, 16%.
Na fatia dos que analisam o governo de Marta como ruim ou péssimo, Russomanno tem 33%, ante 30% de Serra e 7% de Haddad.
Na pesquisa de voto espontânea, em que os nomes dos candidatos na disputa não são apresentados aos eleitores, Russomanno passou de 18% para 25%. É o dobro do índice obtido por Serra (13%, ante 15% na pesquisa anterior) e Haddad (11%, ante 9% na pesquisa anterior).
Foram citados espontaneamente também os nomes de Gabriel Chalita (4%), Soninha (2%), e Paulinho da Força e Carlos Giannazi, que não atingiram 1%. “Candidato do PT” obteve 1% das menções.
 Na comparação com levantamento concluído no dia 29 de agosto, caiu dez pontos (de 42% para 32%) a taxa dos que dizem não saber em quem votar. A fatia dos que dizem votar em branco, nulo ou em nenhum dos candidatos ficou em 8%, estável na comparação com os 9% registrados no último levantamento.
 
SE SEGUNDO TURNO FOSSE HOJE, RUSSOMANNO GANHARIA DE SERRA E HADDAD
 
À frente nas intenções de voto para o primeiro turno da disputa pela prefeitura de São Paulo, Celso Russomanno aparece como favorito também em cenários de segundo turno, nos quais bateria tanto José Serra quanto Fernando Haddad. Se a disputa se desse entre o petista e o tucano, o favorito seria Haddad. Em disputa envolvendo Russomanno e Serra, o primeiro teria 58% das intenções de voto, ante 30% do ex-governador. Votariam em branco, nulo ou em nenhum deles 10%, e 2% não souberam responder. Serra só equibra o embate no segmento dos mais ricos (no qual aparece com 44%, ante 40% do adversário); entre os que aprovam a gestão Kassab (Serra tem 46%, e Russomanno, 47%); e entre os que aprovam o governo Alckmin (Serra aparece com 44%, empatado dentro da margem de erro com o candidato do PRB, que obtém 50%). Se os adversários no segundo turno fossem Russomanno e Haddad, o cenário seria parecido com o anterior: o candidato do PRB teria 56% dos votos, e o petista, 30%. Votariam em branco, nulo ou em nenhum deles 9%, e 4% não souberam responder. Nessa simulação, o ex-ministro da Educação só consegue chegar ao empate técnico entre os mais jovens (42% para ele, 47% para Russomanno), e liderar entre os que dizem ter o PT como partido de preferência (Haddad tem 53%, ante 45% do candidato do PRB). Em eventual disputa entre Serra e Haddad, o petista venceria com 46%, ante 37% de Serra. Votariam em branco, nulo ou em nenhum deles 14%, e 3% não souberam responder.
 
REJEIÇÃO A SERRA SE MANTÉM ACIMA DE
 
40% A rejeição a José Serra oscilou para baixo desde a semana passada e agora está em 42%, índice que o mantém como o mais indicado entre os candidatos que os paulistanos não votariam de jeito nenhum. Em alta nas indicações de voto, Russomanno viu sua taxa de rejeição oscilar de 15% para 12%, o que o coloca entre os menos rejeitados na disputa paulistana. Em seguida, pelo critério de rejeição, aparecem Soninha (20% não votariam nela de jeito nenhum, ante 24% no levantamento anterior); Paulinho da Força (20%), Levy Fidelix (20%), Eymael (19%), Fernando Haddad (18%, ante 21% no levantamento anterior), Miguel (14%), Ana Luiza (12%), Anaí Caproni (11%), Russomanno, Gabriel Chalita (11%, ante 15% na última pesquisa), e Carlos Giannazi (9%). O índice dos que não souberam responder fica em 6%. Há ainda 5% que dizem rejeitar todos os candidatos apresentados, e outros 4% que não rejeitam nenhum deles. 62%
 
AFIRMAM ESTAR TOTALMENTE DECIDIDOS
 
  De forma geral, 62% dos eleitores dizem estar totalmente decididos a votar no candidato escolhido na pesquisa estimulada, quando são apresentados os nomes que disputam a eleição e na qual Russomanno obtém 35%. Outros 33% declaram que ainda podem mudar o voto, e 5% não souberam responder. Entre os eleitores do candidato do PRB, o índice de certeza do voto fica acima da média, em 69%, mesmo patamar registrado entre os eleitores de Haddad (67%). No eleitorado que declara votar em José Serra, a convicção do voto é menor (59%). Líder de intenções de voto, Russomanno é também o preferido como segunda opção dos eleitores. Caso não votassem no candidato indicado na pesquisa estimulada, 23% declaram que votariam no candidato do PRB. Outros 15% dizem que votariam em José Serra, 15%, em Haddad, 9%, em Soninha, e 8%, em Chalita, entre outros. Há também 16% que disseram não saber em quem votar caso não optassem pelo seu candidato preferido. Entre os que dizem ter a intenção de votar em Russomanno em primeiro lugar, 26% optariam por Serra e 19% escolheriam Haddad caso não votassem no candidato do PRB. Caso não pudessem votar em Serra, 36% de seus eleitores optariam por Russomanno, o dobro dos que migrariam para o candidato do PT (16%). No caso de Haddad, Russomanno ficaria com 43% de seus eleitores, e Serra, com 13%. Para 44% dos eleitores paulistanos, Russomanno irá ganhar a eleição para prefeito de São Paulo em outubro. Outros 19% apontam Serra como vencedor, e 13%, Haddad. Os indecisos somam 22%.
 
FONTE: http://datafolha.folha.uol.com.br/po/ver_po.php?session=1228






quarta-feira, 5 de setembro de 2012

INDIOS NO BRASIL


                      A presença dos índios no território brasileiro é muito anterior ao processo de ocupação estabelecido pelos exploradores europeus que aportaram em nossas terras. Segundo os dados presentes em algumas estimativas, a população indígena brasileira variava entre três e cinco milhões de habitantes. Entre essa vasta população, observamos o desenvolvimento de civilizações heterogêneas entre as quais podemos citar os xavantes, caraíbas, tupis, jês e guaranis.

                Geralmente, o acesso às informações sobre essas populações são bastante restritas. A falta de fontes escritas e o próprio processo de dizimação dessas culturas acabaram limitando as possibilidades de estudo das mesmas. Em geral, o maior contato desenvolvido entre índios e europeus aconteceu nas faixas litorâneas do nosso território, onde predominam os povos indígenas pertencentes ao grupo tupi-guarani. Apesar das várias generalizações, relatos do século XVI esclarecem alguns hábitos desse povo.

                   De acordo com esses registros, os povos tupi-guarani organizavam aldeias que variavam entre os seus 500 e 750 habitantes. A presença da aldeia era temporária e todo o seu contingente era dividido entre seis a dez casas, sendo que cada uma delas poderia variar de tamanho e comprimento de acordo com as necessidades materiais e culturais de cada aldeia. Para buscarem sustento, os tupis desenvolveram a exploração da coleta, da caça, da pesca e, em alguns casos, das atividades agrícolas.

Sob o ponto de vista político, essas comunidades não contavam com nenhum tipo de organização estatal ou hierarquia política que pudesse distinguir seus integrantes. Apesar disso, não podemos ignorar que alguns guerreiros e chefes espirituais eram valorizados pelas habilidades que detinham. Muitas vezes, diferentes tribos mantinham contato entre si em busca da manutenção de alguns laços culturais ou em razão da proximidade da língua falada.

A realização das tarefas cotidianas poderia variar segundo o gênero e a idade de cada um dos integrantes da aldeia. Em suma, as mulheres tinham a obrigação de desenvolver as atividades agrícolas, fabricar peças artesanais, processar os alimentos e cuidar dos menores. Já os homens deveriam realizar o preparo das terras e as atividades de caça e pesca. Tendo outro modelo de organização familiar, os índios organizavam casamentos e, em algumas situações, a poligamia era aceita.

No campo religioso, alguns desses povos acreditavam na existência dos espíritos, na reencarnação dos seus antepassados e na compreensão dos fenômenos naturais como divindades. Em diversas situações, esse corolário de crenças era fonte de explicação para a origem do mundo ou a ocorrência de algum evento significativo. Em alguns casos, os índios praticavam a antropofagia como um importante ritual em que os guerreiros da tribo absorviam a força e as habilidades dos inimigos capturados.

Historicamente, a situação dos índios variou entre quadros de completo abandono, perseguição e miséria. Até meados da segunda metade do século XX, alguns especialistas no assunto acreditavam que a presença dos índios chegaria a um fim. Contudo, estipulados em uma população de aproximadamente um milhão de indivíduos, os indígenas hoje buscam o reconhecimento de seus diretos pelo Estado e ainda sofrem grandes obstáculos no exercício de sua autonomia.

Por Rainer Sousa
Graduado em História
Equipe Brasil Escola



 

sábado, 1 de setembro de 2012

A PRIMAVERA - Cecília Meireles

Primavera
Cecília Meireles
A primavera chegará, mesmo que ninguém mais saiba seu nome, nem acredite no calendário, nem possua jardim para recebê-la. A inclinação do sol vai marcando outras sombras; e os habitantes da mata, essas criaturas naturais que ainda circulam pelo ar e pelo chão, começam a preparar sua vida para a primavera que chega.      
Finos clarins que não ouvimos devem soar por dentro da terra, nesse mundo confidencial das raízes, — e arautos sutis acordarão as cores e os perfumes e a alegria de nascer, no espírito das flores.

Há bosques de rododendros que eram verdes e já estão todos cor-de-rosa, como os palácios de Jeipur. Vozes novas de passarinhos começam a ensaiar as árias tradicionais de sua nação. Pequenas borboletas brancas e amarelas apressam-se pelos ares, — e certamente conversam: mas tão baixinho que não se entende.

Oh! Primaveras distantes, depois do branco e deserto inverno, quando as amendoeiras inauguram suas flores, alegremente, e todos os olhos procuram pelo céu o primeiro raio de sol.

Esta é uma primavera diferente, com as matas intactas, as árvores cobertas de folhas, — e só os poetas, entre os humanos, sabem que uma Deusa chega, coroada de flores, com vestidos bordados de flores, com os braços carregados de flores, e vem dançar neste mundo cálido, de incessante luz.

Mas é certo que a primavera chega. É certo que a vida não se esquece, e a terra maternalmente se enfeita para as festas da sua perpetuação.

Algum dia, talvez, nada mais vai ser assim. Algum dia, talvez, os homens terão a primavera que desejarem, no momento que quiserem, independentes deste ritmo, desta ordem, deste movimento do céu. E os pássaros serão outros, com outros cantos e outros hábitos, — e os ouvidos que por acaso os ouvirem não terão nada mais com tudo aquilo que, outrora se entendeu e amou.

Enquanto há primavera, esta primavera natural, prestemos atenção ao sussurro dos passarinhos novos, que dão beijinhos para o ar azul. Escutemos estas vozes que andam nas árvores, caminhemos por estas estradas que ainda conservam seus sentimentos antigos: lentamente estão sendo tecidos os manacás roxos e brancos; e a eufórbia se vai tornando pulquérrima, em cada coroa vermelha que desdobra. Os casulos brancos das gardênias ainda estão sendo enrolados em redor do perfume. E flores agrestes acordam com suas roupas de chita multicor.

Tudo isto para brilhar um instante, apenas, para ser lançado ao vento, — por fidelidade à obscura semente, ao que vem, na rotação da eternidade. Saudemos a primavera, dona da vida — e efêmera.

Texto extraído do livro "Cecília Meireles - Obra em Prosa - Volume 1", Editora Nova Fronteira - Rio de Janeiro, 1998, pág. 366