segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014
E depois? – Crônica de Rubens da Cunha
“MENINO: Eu falo desses homens, esses aí que estão amarrados nos postes”
Hilda Hilst, na peça O Novo Sistema
Agora estão espancando e amarrando bandidos em postes. E depois, quem será espancado e amarrado diariamente nos postes? Depois serão os drogados, os craqueiros da praça central. Depois serão os drogados e craqueiros das periferias. Depois serão os bêbados que tropeçam no meio-fio. Depois serão os menores abandonados que atazanam a paz e são protegidos pela lei. Depois serão os mendigos, os pedintes que ficam com suas feridas expostas nas calçadas. Depois serão as velhinhas que pedem pelo amor de deus na porta dos bancos e as índias que ficam em silêncio atrapalhando o fluxo nas calçadas. Depois serão os flanelinhas, os vendedores ambulantes que oferecem produtos piratas. Depois serão todos os camelôs. Depois serão os artesãos rastafáris que não tomam banho, talvez estes venham primeiro que os flanelinhas. Depois serão as prostitutas e os travestis que perambulam nas madrugadas. Depois serão os que contratam as prostitutas e os travestis. Depois serão os homossexuais. Depois serão as mulheres que andam com roupas curtas e decotadas. Estas, além de serem agredidas, serão estupradas também porque estavam pedindo, afinal estavam vestidas desse jeito. Depois serão os loucos que falam sozinhos. Depois serão os tatuados. Depois serão os homens cabeludos e as mulheres de cabelos curtos. Aquelas mulheres que cortam o cabelo muito baixo de um lado só serão espancadas e amarradas primeiro. Depois serão os velhos que também tem preferências e direitos demais. Depois será quem fizer qualquer questionamento a respeito da ordem vigente. Depois serão os artistas de rua. Depois serão os artistas. Depois será quem anda a pé ou de bicicleta e exige faixa exclusiva. Depois serão os negros que até aqui conseguiram escapar. Depois serão os gordos pois eles não tem saúde e são feios. Depois serão os feios. Depois serão todos os pobres ou aqueles que aparentarem ser pobres. Depois serão aqueles que ouvem música que não presta e assistem programas populares na televisão. Depois será todo aquele que for inconveniente. Depois será você e serei eu. Depois será tarde…
Rubens da Cunha
TEXTO SUGERIDO POR ELIANE ( minha amiga lilika)
E depois? – Crônica de Rubens da Cunha
Por Revista Osíris (Marco Vasques / Rubens da Cunha)
Crônica publicada no Jornal A Notícia em 19/02/2014
http://revistaosirisliteratura.wordpress.com/2014/02/19/e-depois-cronica-de-rubens-da-cunha/
domingo, 23 de fevereiro de 2014
"Os Amigos" de Vinicius de Moraes
Um dia a maioria de nós irá se separar. Sentiremos saudades de todas as conversas jogadas fora, as descobertas que fizemos, dos sonhos que tivemos, dos tantos risos e momentos que compartilhamos...
Saudades até dos momentos de lágrima, da angústia, das vésperas de finais de semana, de finais de ano, enfim... do companheirismo vivido... Sempre pensei que as amizades continuassem para sempre...
Hoje não tenho mais tanta certeza disso. Em breve cada um vai pra seu lado, seja pelo destino, ou por algum desentendimento, segue a sua vida, talvez continuemos a nos encontrar, quem sabe... nos e-mails trocados...
Podemos nos telefonar... conversar algumas bobagens. Aí os dias vão passar... meses... anos... até este contato tornar-se cada vez mais raro. Vamos nos perder no tempo...
Um dia nossos filhos verão aquelas fotografias e perguntarão: Quem são aquelas pessoas? Diremos que eram nossos amigos. E... isso vai doer tanto!!! Foram meus amigos, foi com eles que vivi os melhores anos de minha vida!
A saudade vai apertar bem dentro do peito. Vai dar uma vontade de ligar, ouvir aquelas vozes novamente... Quando o nosso grupo estiver incompleto... nos reuniremos para um último adeus de um amigo. E entre lágrima nos abraçaremos...
Faremos promessas de nos encontrar mais vezes daquele dia em diante. Por fim, cada um vai para o seu lado para continuar a viver a sua vidinha isolada do passado... E nos perderemos no tempo...
Por isso, fica aqui um pedido deste humilde amigo: não deixes que a vida passe em branco, e que pequenas adversidades sejam a causa de grandes tempestades...
Eu poderia suportar, embora não sem dor, que tivessem morrido todos os meus amores... mas enlouqueceria se morressem todos os meus amigos!!!
terça-feira, 11 de fevereiro de 2014
Namoro Desmanchado-Pedro Bandeira
Já não tenho namorada
e nem ligo para isso
é melhor ficar sózinho
namorar só dá enguiço.
Eu conheço meus colegas
sei que vão argumentar
que pra não ser mais criança
é preciso namorar.
Mas a outra só gostava
de conversa e de passeio
e queria que eu ficasse
de mãos dadas no recreio.
E ali,sentado e quieto
no recreio da escola
de mãos dadas feito bobo
vendo a turma jogar bola
Gosto mesmo é de brincar
faça chuva ou faça sol
namorar não quero mais.
Eu prefiro o futebol.
e nem ligo para isso
é melhor ficar sózinho
namorar só dá enguiço.
Eu conheço meus colegas
sei que vão argumentar
que pra não ser mais criança
é preciso namorar.
Mas a outra só gostava
de conversa e de passeio
e queria que eu ficasse
de mãos dadas no recreio.
E ali,sentado e quieto
no recreio da escola
de mãos dadas feito bobo
vendo a turma jogar bola
Gosto mesmo é de brincar
faça chuva ou faça sol
namorar não quero mais.
Eu prefiro o futebol.
domingo, 9 de fevereiro de 2014
A última crônica -Fernando Sabino
A caminho de casa, entro num botequim da Gávea para
tomar um café junto ao balcão. Na realidade estou adiando o momento de
escrever. A perspectiva me assusta. Gostaria de estar inspirado, de coroar com
êxito mais um ano nesta busca do pitoresco ou do irrisório no cotidiano de cada
um. Eu pretendia apenas recolher da vida diária algo de seu disperso conteúdo
humano, fruto da convivência, que a faz mais digna de ser vivida. Visava ao
circunstancial, ao episódico. Nesta perseguição do acidental, quer num
flagrante de esquina, quer nas palavras de uma criança ou num acidente
doméstico, torno-me simples espectador e perco a noção do essencial. Sem mais
nada para contar, curvo a cabeça e tomo meu café, enquanto o verso do poeta se
repete na lembrança: "assim eu quereria o meu último poema". Não sou
poeta e estou sem assunto. Lanço então um último olhar fora de mim, onde vivem
os assuntos que merecem uma crônica.
Ao fundo do botequim um casal de pretos acaba de
sentar-se, numa das últimas mesas de mármore ao longo da parede de espelhos. A
compostura da humildade, na contenção de gestos e palavras, deixa-se
acrescentar pela presença de uma negrinha de seus três anos, laço na cabeça,
toda arrumadinha no vestido pobre, que se instalou também à mesa: mal ousa
balançar as perninhas curtas ou correr os olhos grandes de curiosidade ao
redor. Três seres esquivos que compõem em torno à mesa a instituição
tradicional da família, célula da sociedade. Vejo, porém, que se preparam para
algo mais que matar a fome.
Passo a observá-los. O pai, depois de contar o
dinheiro que discretamente retirou do bolso, aborda o garçom, inclinando-se
para trás na cadeira, e aponta no balcão um pedaço de bolo sob a redoma. A mãe
limita-se a ficar olhando imóvel, vagamente ansiosa, como se aguardasse a
aprovação do garçom. Este ouve, concentrado, o pedido do homem e depois se
afasta para atendê-lo. A mulher suspira, olhando para os lados, a reassegurar-se
da naturalidade de sua presença ali. A meu lado o garçom encaminha a ordem do
freguês.
O homem atrás do balcão apanha a porção do bolo com a mão, larga-o no pratinho - um bolo simples, amarelo-escuro, apenas uma pequena fatia triangular. A negrinha, contida na sua expectativa, olha a garrafa de Coca-Cola e o pratinho que o garçom deixou à sua frente. Por que não começa a comer? Vejo que os três, pai, mãe e filha, obedecem em torno à mesa um discreto ritual. A mãe remexe na bolsa de plástico preto e brilhante, retira qualquer coisa. O pai se mune de uma caixa de fósforos, e espera. A filha aguarda também, atenta como um animalzinho. Ninguém mais os observa além de mim.
São três velinhas brancas, minúsculas, que a mãe espeta caprichosamente na fatia do bolo. E enquanto ela serve a Coca-Cola, o pai risca o fósforo e acende as velas. Como a um gesto ensaiado, a menininha repousa o queixo no mármore e sopra com força, apagando as chamas. Imediatamente põe-se a bater palmas, muito compenetrada, cantando num balbucio, a que os pais se juntam, discretos: "Parabéns pra você, parabéns pra você..." Depois a mãe recolhe as velas, torna a guardá-las na bolsa. A negrinha agarra finalmente o bolo com as duas mãos sôfregas e põe-se a comê-lo. A mulher está olhando para ela com ternura - ajeita-lhe a fitinha no cabelo crespo, limpa o farelo de bolo que lhe cai ao colo. O pai corre os olhos pelo botequim, satisfeito, como a se convencer intimamente do sucesso da celebração. Dá comigo de súbito, a observá-lo, nossos olhos se encontram, ele se perturba, constrangido - vacila, ameaça abaixar a cabeça, mas acaba sustentando o olhar e enfim se abre num sorriso.
Assim eu “quereria minha última crônica: que fosse pura como esse sorriso.”
O homem atrás do balcão apanha a porção do bolo com a mão, larga-o no pratinho - um bolo simples, amarelo-escuro, apenas uma pequena fatia triangular. A negrinha, contida na sua expectativa, olha a garrafa de Coca-Cola e o pratinho que o garçom deixou à sua frente. Por que não começa a comer? Vejo que os três, pai, mãe e filha, obedecem em torno à mesa um discreto ritual. A mãe remexe na bolsa de plástico preto e brilhante, retira qualquer coisa. O pai se mune de uma caixa de fósforos, e espera. A filha aguarda também, atenta como um animalzinho. Ninguém mais os observa além de mim.
São três velinhas brancas, minúsculas, que a mãe espeta caprichosamente na fatia do bolo. E enquanto ela serve a Coca-Cola, o pai risca o fósforo e acende as velas. Como a um gesto ensaiado, a menininha repousa o queixo no mármore e sopra com força, apagando as chamas. Imediatamente põe-se a bater palmas, muito compenetrada, cantando num balbucio, a que os pais se juntam, discretos: "Parabéns pra você, parabéns pra você..." Depois a mãe recolhe as velas, torna a guardá-las na bolsa. A negrinha agarra finalmente o bolo com as duas mãos sôfregas e põe-se a comê-lo. A mulher está olhando para ela com ternura - ajeita-lhe a fitinha no cabelo crespo, limpa o farelo de bolo que lhe cai ao colo. O pai corre os olhos pelo botequim, satisfeito, como a se convencer intimamente do sucesso da celebração. Dá comigo de súbito, a observá-lo, nossos olhos se encontram, ele se perturba, constrangido - vacila, ameaça abaixar a cabeça, mas acaba sustentando o olhar e enfim se abre num sorriso.
Assim eu “quereria minha última crônica: que fosse pura como esse sorriso.”
"Aqui jaz Fernando
Sabino. Nasceu homem, morreu menino". A frase poética escolhida pelo autor
de "O Encontro Marcado" para a sua lápide expõe de maneira sucinta,
mas explícita, um pouco da personalidade, dos desejos e anseios de um
protagonista da palavra. Um autor cuja pena produziu, desde a mais tenra
juventude, textos fundamentados na sensibilidade capaz de captar a angústia
humana como poucos de sua geração souberam fazer. Sobre ele, um dos maiores
críticos literários brasileiros, Antonio Cândido, avalia: "Fernando tinha
um olhar infalível para os pormenores expressivos e uma capacidade prodigiosa
de invenção verbal".
Publicado no jornal Diário de S. Paulo-Gabriel
Chalita
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