sábado, 15 de setembro de 2012

UMA IDÉIA TODA AZUL-Marina Colasanti

   


Um dia o rei teve uma idéia. Era a primeira da vida toda e, tão maravilhado ficou com aquela idéia azul, que não quis saber de contar aos ministros. Desceu com ela para o jardim, correu com ela nos gramados, brincou com ela de esconder entre outros pensamentos, encontrando-a sempre com alegria, linda idéia dele toda azul.

Brincaram até o rei adormecer encostado numa árvore.

Foi acordar tateando a coroa e procurando a idéia, para perceber o perigo. Sozinha no seu sono, solta e tão bonita, a idéia poderia ter chamado a atenção de alguém. Bastaria esse alguém pegá-la e levá-la. É tão fácil roubar uma idéia! Quem jamais saberia que já tinha dono?

Com a idéia escondida debaixo do manto, o rei voltou para o castelo. Esperou a noite. Quando todos os olhos se fecharam, ele saiu dos seus aposentos, atravessou salões, desceu escadas, subiu degraus, até chegar ao corredor das salas do tempo. Portas fechadas e o silêncio. Que sala escolher?

Diante de cada porta o rei parava, pensava e seguia adiante. Até chegar à sala do sono. Abriu. Na sala acolchoada, os pés do rei afundavam até o tornozelo, o olhar se embaraçava em gases, cortinas e véus pendurados como teias. Sala de quase escuro, sempre igual. O rei deitou a idéia adormecida na cama de marfim, baixou o cortinado, saiu e trancou a porta.

A chave prendeu no pescoço em grossa corrente. E nunca mais mexeu nela.

O tempo correu seus anos. Idéias o rei não teve mais, nem sentiu falta, tão ocupado estava em governar. Envelhecia sem perceber, diante dos educados espelhos reais que mentiam a verdade. Apenas sentia-se mais triste e mais só, sem que nunca mais tivesse tido vontade de brincar nos jardins.

Só os ministros viam a velhice do rei. Quando a cabeça ficou toda branca, disseram-lhe que já podia descansar, e o libertaram do manto.

Posta a coroa sobre a almofada, o rei logo levou a mão à corrente.

Ninguém mais se ocupa de mim – dizia, atravessando salões, descendo escadas a caminho da sala do tempo. Ninguém mais me olha – dizia. Agora, posso buscar minha linda idéia e guardá-la só para mim.

Abriu a porta, levantou o cortinado.

Na cama de marfim, a idéia dormia azul como naquele dia.

Como naquele dia, jovem, tão jovem, uma idéia menina. E linda. Mas o rei não era mais o rei daquele dia. Entre ele e a idéia estava todo o tempo passado lá fora, o tempo todo parado na sala do sono. Seus olhos não viam na idéia a mesma graça. Brincar não queria, nem rir. Que fazer com ela? Nunca mais saberiam estar juntos como naquele dia.

Sentado na beira da cama o rei chorou suas duas últimas lágrimas, as que tinha guardado para a maior tristeza.

Depois, baixou o cortinado e, deixando a idéia adormecida, fechou para sempre a porta.

Moral: idéia não é para ficar adormecida, mas para ser realizada, sob pena de se perder.

2 comentários:

elaine - uniararas disse...

Boa gostei,o negócio é fazer acontecer antes de envelhecer e adormecer. Adorei!
Elaine Santana***

Izabela e Alisson disse...

Gostamos da historia mas achamos triste no fim, mas, nos serviu de lição!