[...} A celebração há de trazer de novo à memória o
evento celebrado.
É uma cena: numa estrebaria uma criancinha acaba de nascer. Sua mãe a
colocou numa manjedoura, cocho onde se põe comida para os animais. As vacas
mastigam sem parar, ruminando. Ouve-se um galo que canta e os violinos dos
grilos, música suave... No meio dos animais tudo é tranquilo. Os campos estão
cobertos de vaga-lumes que piscam chamados de amor. E no céu brilha uma estrela
diferente. Que estará ela anunciando com suas cores? O nascimento de um Deus?
É . O
nascimento de um Deus. Deus é uma criança.
O nascimento do Deus criança só pode ser celebrado com coisas mansas. Mansas e pobres. Os pobres, no seu despojamento, devem poder celebrar. Não é preciso muito.
O nascimento do Deus criança só pode ser celebrado com coisas mansas. Mansas e pobres. Os pobres, no seu despojamento, devem poder celebrar. Não é preciso muito.
Um poema que se lê.
Alberto Caeiro escreveu um poema que faria José e Maria, os pais do menininho,
rir de felicidade: "Num meio-dia de fim de primavera, tive um sonho como
uma fotografia: "Vi Jesus Cristo descer a terra. Veio pela encosta do
monte tornado outra vez menino. Tinha fugido do céu...'" Longo, merece ser
lido inteiro, bem devagar...
Uma canção que se canta. Das antigas. Tem de ser das antigas. Para convocar a saudade. É a saudade que traz para dentro da sala a cena que aconteceu longe. Sem saudade o milagre não acontece. Algo para se comer.
Uma canção que se canta. Das antigas. Tem de ser das antigas. Para convocar a saudade. É a saudade que traz para dentro da sala a cena que aconteceu longe. Sem saudade o milagre não acontece. Algo para se comer.
O
que é que José e Maria teriam comido naquela noite? Um pedaço de queijo, nozes,
vinho, pão velho, uma caneca de leite tirado na hora. E deram graças a Deus. E
é preciso que se fale em voz baixa. Para não acordar a criança.
Naquela mesma noite, havia uma outra celebração no palácio de Herodes, o cruel. Ele tinha medo das crianças e mataria todas se assim o desejasse. A mesa do banquete estava posta: leitões assados, linguiças, bolos e muito vinho... Os músicos tocavam, as dançarinas rodopiavam. Grande era a orgia.
É. Cada um celebra o que escolhe. Acho que vou fazer uma sopa de fubá que tomarei com pimenta e torradas. E lerei poemas e ouvirei música. E farei silêncio quando chegar a meia-noite e, quem sabe, rezarei?...
Será que é mesmo o natal que é comemorado? Ou está mais para uma reunião
entre familiares e amigos que irão se empanturrar e trocar presentes?
* Rubem Alves, escritor, teólogo
e educador
Nenhum comentário:
Postar um comentário