RESUMO: Mendonça,
um jovem médico, encontra a cadelinha e ao ver o anúncio resolve devolvê-la à
dona. Margarida, viúva ainda moça, é desacreditava do amor, pois seu falecido
marido só era interessado em seu dinheiro. Mendonça, que faz amizade com
Margarida e com todos da casa, começa a frequentar a residência. Porém, o
inevitável acontece: Mendonça se apaixona por Margarida! Uma história muito
interessante, uma das mais conhecidas de Machado de Assis. Faz parte do livro
Contos Fluminenses.
Adoro este conto de Machado de Assis,
para dizer a verdade, sempre fui fã de Machado de Assis. Neste conto em
particular Machado de Assis é irônico e logo no início do texto, como,
publicado abaixo, o narrador fala acerca da construção da obra, informando ao
leitor que seria conveniente a apresentação da personagem Miss Dollar, mas que
não o faria, pois encheria a obra de subterfúgios, desviando o leitor do
principal da história. Contudo, é justamente isso que o narrador faz, mesmo não
apresentando a personagem Miss Dollar, ele escreve de tal forma que o leitor
divaga sobre diversas possibilidades de personalidades para Miss Dollar.
Pra quem ainda não conhece, vale a
pena conhecer e pra quem já conhece vale a pena reler...enfim, é obra “Machadiana”...sempre
valerá a pena ler.
ASSIM COMEÇA O CONTO .....
MISS
DOLLAR
Era conveniente ao romance que o leitor ficasse muito tempo sem
saber quem era Miss Dollar. Mas por outro lado, sem a apresentação de Miss
Dollar, seria o autor obrigado a longas digressões, que encheriam o papel sem
adiantar a ação. Não há hesitação possível: vou apresentar-lhes Miss Dollar.
Se o leitor é rapaz e dado ao gênio melancólico, imagina que Miss Dollar é uma inglesa pálida e delgada, escassa de carnes e de sangue, abrindo à flor do rosto dois grandes olhos azuis e sacudindo ao vento umas longas tranças louras. A moça em questão deve ser vaporosa e ideal como uma criação de Shakespeare; deve ser o contraste do roast-beef britânico, com que se alimenta a liberdade do Reino Unido. Uma tal Miss Dollar deve ter o poeta Tennyson de cor e ler Lamartine no original; se souber o português deve deliciar-se com a leitura dos sonetos de Camões ou os Cantos de Gonçalves Dias. O chá e o leite devem ser a alimentação de semelhante criatura, adicionando-se-lhe alguns confeitos e biscoitos para acudir às urgências do estômago. A sua fala deve ser um murmúrio de harpa eólia; o seu amor um desmaio, a sua vida uma contemplação, a sua morte um suspiro.
A figura é poética, mas não é a da heroína do romance.
Suponhamos que o leitor não é dado a estes devaneios e melancolias; nesse caso imagina uma Miss Dollar totalmente diferente da outra. Desta vez será uma robusta americana, vertendo sangue pelas faces, formas arredondadas, olhos vivos e ardentes, mulher feita, refeita e perfeita. Amiga da boa mesa e do bom copo, esta Miss Dollar preferirá um quarto de carneiro a uma página de Longfellow, coisa naturalíssima quando o estômago reclama, e nunca chegará a compreender a poesia do pôr-do-sol. Será uma boa mãe de família segundo a doutrina de alguns padres-mestres da civilização, isto é, fecunda e ignorante.
Se o leitor é rapaz e dado ao gênio melancólico, imagina que Miss Dollar é uma inglesa pálida e delgada, escassa de carnes e de sangue, abrindo à flor do rosto dois grandes olhos azuis e sacudindo ao vento umas longas tranças louras. A moça em questão deve ser vaporosa e ideal como uma criação de Shakespeare; deve ser o contraste do roast-beef britânico, com que se alimenta a liberdade do Reino Unido. Uma tal Miss Dollar deve ter o poeta Tennyson de cor e ler Lamartine no original; se souber o português deve deliciar-se com a leitura dos sonetos de Camões ou os Cantos de Gonçalves Dias. O chá e o leite devem ser a alimentação de semelhante criatura, adicionando-se-lhe alguns confeitos e biscoitos para acudir às urgências do estômago. A sua fala deve ser um murmúrio de harpa eólia; o seu amor um desmaio, a sua vida uma contemplação, a sua morte um suspiro.
A figura é poética, mas não é a da heroína do romance.
Suponhamos que o leitor não é dado a estes devaneios e melancolias; nesse caso imagina uma Miss Dollar totalmente diferente da outra. Desta vez será uma robusta americana, vertendo sangue pelas faces, formas arredondadas, olhos vivos e ardentes, mulher feita, refeita e perfeita. Amiga da boa mesa e do bom copo, esta Miss Dollar preferirá um quarto de carneiro a uma página de Longfellow, coisa naturalíssima quando o estômago reclama, e nunca chegará a compreender a poesia do pôr-do-sol. Será uma boa mãe de família segundo a doutrina de alguns padres-mestres da civilização, isto é, fecunda e ignorante.
Já não será do mesmo sentir o leitor que tiver passado a segunda mocidade e vir diante de si uma velhice sem recurso. Para esse, a Miss Dollar verdadeiramente digna de ser contada em algumas páginas, seria uma boa inglesa de cinquenta anos, dotada com algumas mil libras esterlinas, e que, aportando ao Brasil em procura de assunto para escrever um romance, realizasse um romance verdadeiro, casando com o leitor aludido. Uma tal Miss Dollar seria incompleta se não tivesse óculos verdes e um grande cacho de cabelo grisalho em cada fonte. Luvas de renda branca e chapéu de linho em forma de cuia, seriam a última demão deste magnífico tipo de ultramar.
Mais esperto que os outros, acode um leitor dizendo que a heroína do romance não é nem foi inglesa, mas brasileira dos quatro costados, e que o nome de Miss Dollar quer dizer simplesmente que a rapariga é rica.
A descoberta seria excelente, se fosse exata; infelizmente nem
esta nem as outras são exatas. A Miss Dollar do romance não é a menina
romântica, nem a mulher robusta, nem a velha literata, nem a brasileira rica.
Falha desta vez a proverbial perspicácia dos leitores; Miss Dollar é ....
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