O primeiro beijo foi dado por um príncipe numa princesa que estava
dormindo encantada há cem anos. Assim que foi beijada, ela acordou e começou a
falar:
— Muito obrigada, querido príncipe.
Você por acaso é solteiro?
— Sim, minha querida princesa.
— Então nós temos que nos casar já!
Você me beijou e afinal de contas não fica bem, não é mesmo?
— É... querida princesa.
— Você tem um castelo, é claro.
— Tenho... princesa.
— E quantos quartos tem o seu
castelo, posso saber?
— Trinta e seis.
— Só? Pequeno, hein! Mas não faz
mal, depois a gente faz umas reformas... Deixa eu pensar quantas amas eu vou
ter que contratar... Umas quarenta eu acho que dá!
— Tantas assim?
— Ora, meu caro, você não espera que
eu vá gastar as minhas unhas varrendo, lavando e passando, não é?
— Mas quarenta amas!
— Ah, eu não quero nem saber. Eu não
pedi para ninguém vir aqui me beijar, e já vou avisando que quero umas roupas
novas, as minhas devem estar fora de moda, afinal, passaram-se cem anos, não é
mesmo? E quero uma carruagem de marfim, sapatinhos de cristal e... e... jóias,
é claro! Eu quero anéis, pulseiras, colares, tiaras, coroas, cetros, pedras
preciosas, semipreciosas, pepitas de ouro e discos de platina!
— Mas eu não sou o rei das Arábias,
sou apenas um príncipe...
— Não me venha com desculpas esfarrapadas! Eu estava aqui dormindo e
você veio e me beijou e agora vai querer que eu ande por aí como uma gata
borralheira? Não, não e não, e outra vez não e mais uma vez não!
Tanto a princesa falou, que o
príncipe se arrependeu de ter ido lá e a beijado. Então, teve uma idéia.
Esperou a princesa ficar distraída, se jogou sobre ela e deu outro beijo, bem
forte. A princesa caiu imediatamente em sono profundo, e dizem que até hoje
está lá adormecida. Parece que a notícia se espalhou e os príncipes passam correndo
pela frente do castelo onde ela dorme, assobiando e olhando para o outro lado.
Flávio de Souza. Príncipes e princesas, sapos e lagartos.
São Paulo, FTD, 1993.