domingo, 22 de junho de 2014

ANGÚSTIA - Graciliano Ramos



alagoano Graciliano Ramos (1892-1953) é autor de alguns dos principais romances da literatura brasileira, como "Vidas Secas" (1938). O marco inicial de sua carreira, porém, está nos relatórios que redigiu quando era prefeito da cidade de Palmeira dos Índios, entre 1928 e 1930. A forma de escrever, ao mesmo tempo concisa, crítica e irônica, despertou o interesse do editor carioca Augusto Schmidt, que o animou a publicar "Caetés" (1933), seu livro de estreia.

Essa obra e as duas seguintes, "São Bernardo" (1934) e "Angústia" (1936), podem ser consideradas uma trilogia marcada pelo fato de serem narradas em primeira pessoa, descrevendo estados de alma de seres em constante questionamento com eles mesmos e com o mundo.

Em "Angústia", esse sentimento se faz presente da primeira até a última página de um texto que mostra o universo psicológico de 
Luís da Silva. Funcionário público, 35 anos, trabalhando na Diretoria do Tesouro, em Maceió, Estado de Alagoas, ele escreve também artigos sob encomenda para jornais com o objetivo de aumentar a renda. Além disso, vê o noivado com a vizinha, Marina, terminar devido ao poder econômico do gordo e risonho conquistador de mulheres Julião Tavares, um homem rico, sócio de uma empresa de secos e molhados.
Angústia e violência
Cada vez mais desgostoso com a profissão e com a própria existência, Luís tem sua vida transformada com uma atitude extrema. Ao saber que a sua amada Marina, frívola e fútil, fora seduzida e abandonada, grávida, e que o concorrente já estava envolvido com outra mulher, começa a ter a ideia de assassiná-lo - e concretiza a ação por meio de estrangulamento com uma corda, que ganhara de um mendigo que periodicamente lhe pedia comida. Em seguida, o coloca pendurado no galho de uma árvore para simular suicídio.

Essa ação, descrita ao final do livro, é na verdade o fato motivador de toda a narrativa, pois a angústia do começo da obra, está fortemente relacionada ao ato violento que cometeu, no qual se liberta não só do rival afetivo, mas das suas mais variadas frustrações em relação a si mesmo e ao mundo circundante.

Como é característico de seus textos, Graciliano oferece um romance marcado por um protagonista dominado pelo pessimismo e negativismo. Suas análises psicológicas e sociais, acompanhadas sempre de um estilo despojado e seco, resultam em personagens ensimesmados.
Miséria existencial
Com pouco dinheiro, morando numa casa pobre de um bairro afastado, Silva tem um histórico de familiares que aprofundam a sua miséria existencial: o avô Trajano, latifundiário decadente e bêbado, e o pai Camilo Pereira da Silva, preguiçoso, mas leitor ávido. São indícios de uma vida sem sentido que vai carcomendo o narrador.

Parágrafo a parágrafo, o protagonista é assombrado por esses e outros fantasmas de seu passado. Afunda-se num universo de faltas ao emprego, bebida, fumo e dívidas. A economia das palavras desnuda justamente um triste estar no mundo. Elas atravessam a alma do leitor como um punhal a mostrar um sofrimento marcado pela desilusão, pelo desgosto e pela frustração.

O conflito interno do narrador e seu sentimento de miséria de estar no mundo caracterizam "Angústia" como um trabalho significativo dentro do universo de Graciliano Ramos, um prosador ímpar em seu exercício de mostrar a dor com o uso contido e exato da palavra.
Oscar D'Ambrósio, Especial para a Página 3 Pedagogia & Comunicação é jornalista, mestre em Artes pelo Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista (Unesp), crítico de arte e integra a Associação Internacional de Críticos de Artes (Aica - Seção Brasil).

segunda-feira, 9 de junho de 2014

O ENTERRADO VIVO - Carlos Drummond de Andrade








É sempre no passado aquele orgasmo,

é sempre no presente aquele duplo,
é sempre no futuro aquele pânico.



É sempre no meu peito aquela garra.

É sempre no meu tédio aquele aceno.
É sempre no meu sono aquela guerra.



É sempre no meu trato o amplo distrato.

Sempre na minha firma a antiga fúria.
Sempre no mesmo engano outro retrato.



É sempre nos meus pulos o limite.

É sempre nos meus lábios a estampilha.
É sempre no meu não aquele trauma.



Sempre no meu amor a noite rompe.

Sempre dentro de mim meu inimigo.
E sempre no meu sempre a mesma ausência.



domingo, 8 de junho de 2014

A PEQUENA ANETTE - Versão camponesa da história da Cinderela


Conto sobre camponeses na Idade Média


A ascensão social dos servos durante a Idade Média somente acontecia nos contos, como na história da cinderela camponesa

Por Leandro Carvalho

Durante a Idade Média europeia, a população camponesa foi submetida à servidão, forma de trabalho na qual os servos (camponeses) não tinham liberdade, estavam presos às terras de seu senhor e deviam a ele uma série de obrigações. Portanto, a população camponesa estava submetida à exploração dos nobres, além disso, os impostos eram pagos pelos camponeses, ficando os nobres isentos dessas tributações.

Na maioria dos contos camponeses da Idade Média, o principal objeto de desejo era a comida. Quais eram os motivos do desejo camponês pela comida? Seria a precária alimentação dos camponeses? Sim, pois a grande parte da produção agrícola realizada pelos servos era repassada para o nobre (senhor feudal) proprietário de terras.

Há uma versão camponesa da história da Cinderela que ficou conhecida como A Pequena Anette. Nessa história, a jovem Anette, órfã, vivia juntamente com a madrasta e suas filhas. Anette alimentava-se com um pedaço de pão por dia dado por sua madrasta. A menina ficou magrinha pela má alimentação. Já as filhas da madrasta se alimentavam por dia com carne de carneiro e muitos outros deliciosos alimentos, enquanto a garota órfã trabalhava no campo e ainda lavava as vasilhas sujas das refeições que não fazia.

Num belo dia, a situação da menina órfã mudou, a pequena Anette recebeu da Virgem Maria uma varinha mágica que produzia um enorme banquete quando tocada em uma ovelha negra. Rapidamente, Anette foi ficando gorducha, de acordo com o seu desejo, pois a pequena jovem estava aderindo aos padrões de beleza da Idade Média (nesse período, o padrão de beleza feminino era a mulher com peso avantajado).

Com Anette engordando através da mágica, logo sua madrasta descobriu o segredo e mandou matar a ovelha negra. O fígado da ovelha foi oferecido à Anette, que o enterrou sem o conhecimento da madrasta.

A órfã, após ter enterrado o fígado, se surpreendeu, pois no local nasceu uma árvore enorme que ninguém conseguia pegar os frutos. Somente Anette se alimentava dos frutos daquela grande árvore, que abaixava os galhos para a menina alcançar as frutas.

Com o passar do tempo, um príncipe guloso fez a promessa de se casar com a pessoa que conseguisse colher os frutos. Como a árvore obedecia somente à Anette, a menina colheu os frutos para o príncipe, que se casou com a jovem e eles viveram felizes para sempre.

A camponesa órfã ascendeu à nobreza, ganhou regalias e ficou isenta do pagamento dos impostos. No entanto, essa ascensão social camponesa na Idade Média era praticamente inviável, somente possível nos contos.

 

domingo, 1 de junho de 2014

Projeto Escola em Movimento leva alunos ao Teatro






O Projeto Escola em Movimento da EMEF professora Marili Dias, em parceria com CEU Perus no dia 22 de maio levou 45 alunos do Clube da Leitura e do Grupo Superação, para assistir à peça  A Flor do Lácio.
A apresentação literomusical abordou a origem da língua portuguesa, suas variações e riqueza no falar, quebrando preconceitos em relação à forma de se expressar de certas regiões do país, especialmente o Nordeste.
 "Muito bom, leva os alunos a reflexão, eles interagem e participam ativamente de tudo. Os alunos aprenderam e se divertiram muito", declarou a Professora Iracema Felix, que acompanhou a criançada.


sexta-feira, 30 de maio de 2014

Inveja- Diego Engenho Novo





Eu tenho profunda inveja de quem aceita, de quem acalma o próprio coração, de quem não tem tempo pra pensar demais. De quem é raso, de quem ri de tudo, de quem não faz questão de entender. Eu tenho profunda inveja de quem é fútil, de quem é monopolizado pela lógica cartesiana das coisas, de quem é bitolado pela fé cega, de quem é adestrado por deuses maus.
Eu tenho, profunda e confessa inveja de quem não viaja no tempo, não sofre pelo amanhã, não se lembra do que comeu. A minha memória, por mais curta que seja, também é seletiva. Ela se esquece de compromissos, receitas, senhas, mas jamais de sentimentos.
A minha vida, me é contada como se fosse a história de um estranho que mora no apartamento ao lado. A minha própria história se vai perdida, mas ali, no meio daqueles vultos de lembranças, eu ainda consigo enxergar a dor, a doçura, a euforia, as saudades que senti.
Admito que tenho inveja, de quem sonha com casa de pé direito alto, carro do ano e roupas caras. Isso tudo parece tão palpável. O que eu quero talvez nem exista. Seria eu bem mais feliz se pudesse parcelar a paz em doze no cartão.
Fico olhando para os casais embriagados, passionais, que brigam se descabelam, fazem ameaças de vida e morte e, no instante seguinte, se beijam loucamente. Eu tenho uma inveja tão grande de quem não pensa no sentido das coisas, de quem não remói, não digere, de quem não guarda nada além de objetos. Que inveja eu tenho de quem vive um bolero.
Eu tenho inveja das pessoas imediatistas que comem quando há fome, bebem quando há sede, ligam quando há saudade. Eu sou do tipo cansado que antes da primeira mordida sofre conflitos, lembra de viagens, pensa em quem não está comendo, conta as calorias e se pergunta quem inventou o tomate seco. Eu bebo quase me afogando, brinco com a garrafa, leio rótulos, eu me molho como uma criança sem coordenação, penso na pedra que vai se formando nos meus rins, na infância, nas aulas de química. Eu como, bebo e penso demais.
A minha mente é inquieta e barulhenta. Nada resolve, nada a cala. Nem remédio, nem meditação. A minha mente é carente, conversadeira, é moça nova, velha maluca. Lá vou eu dormir e ela continua tagarelando. Eu tenho profunda inveja de quem tem a alma muda, monossilábica, alma antipática. Das mentes que não cantam Vinicius, nem Elis, mas tche-tchere-rês. Eu tenho inveja, inveja das grandes, de quem tem a ignorância como aliada. A minha cabeça nunca se cala. A minha cabeça nunca se cala.