sábado, 7 de maio de 2016

Mãe, para sempre - Carlos Drummond de Andrade



Carlos Drummond de Andrade deixou sua homenagem para as mães através do poema.









Por que Deus permite
que as mães vão-se embora?
Mãe não tem limite,
é tempo sem hora,
luz que não apaga
quando sopra o vento
e chuva desaba,
veludo escondido
na pele enrugada,
água pura, ar puro,
puro pensamento.
Morrer acontece
com o que é breve e passa
sem deixar vestígio.
Mãe, na sua graça,
é eternidade.
Por que Deus se lembra
- mistério profundo -
de tirá-la um dia?
Fosse eu Rei do Mundo,
baixava uma lei:
Mãe não morre nunca,
mãe ficará sempre
junto de seu filho
e ele, velho embora,
será pequenino
feito grão de milho.


quinta-feira, 21 de abril de 2016

Macaca tuiué inti hu mundéo i pú cuimbisca o pé



A influência do tupi está no vocabulário da fauna. Nome de animais e plantas como jaguar, jacaré, macaco, sagui (pêlo), tapera (casa abandonada), cangueiro (de “Acanga”-cabeça, instrumento de tração para os bois), ipê, piracema, etc, etc, etc. Ao todo, como lembra Raquel F. A. Teixeira, em artigo no livro “A Temática Indígena na escola (MEC, Mari/ Unesco, Brasília, 1995), 70% do vocabulário do português brasileiro sobre animais plantas provém do tupi-guarani que tem vasta influência no nome de cidades e acidentes geográficos no país.
A contribuição do tupi-guarani deu-se também na incorporação de ditados populares no folclore brasileiro. Um deles, muito conhecido, é “Cada macaco no seu galho”. Esse ditado vem da expressão “Macaca tuiué inti hu mundéo i pú cuimbisca o pé” ( Macaco velho não mete mão em cumbuca).
Quando os tupi-guaranis citavam a expressão contavam a seguinte história.
 

Era uma vez um macaquinho guloso soube que havias frutas numa certa cumbuca feita de uma árvore chamada sapucaia. Introduziu a mão no recipiente. Ao tentar tirá-la, a mão ficou presa.

Assustado, o bichinho disparou-se aos pulos pela floresta arrastando a sapucaia e gritando desesperadamente: Ai! Ai! Ai! Cuimbisca hu pscá se pú! Ai! Ai! Ai! Cuimbusca hu pscá se pú! (Ai! Ai! Ai! Cumbuca pegou minha mão).
Os macacos assustaram-se e foram ajudar o macaquinho em apuros. Seguraram o filhote e chamaram o macaco mais velho para aconselhar como retirar a mão do macaquinho da cumbuca. O velho examinou a cumbuca, pegou uma pedra e, em repetidos golpes, quebrou a cumbuca, libertando a mão do macaquinho travesso.
Recuperado do susto, o filhote perguntou ao macaco velho: “Macaca tamuia taá inti ana cuimbisca hu pscá ana i pú? (Vovô, cumbuca já pegou sua mão?) Respondeu o macacão: Macaca tuiué inti hu mundéo i pú cuimbisca o pé (Macaco velho não mete mão em cumbuca).

domingo, 10 de abril de 2016

BALADA DO AMOR ATRAVÉS DAS IDADES Carlos Drummond de Andrade



BALADA DO AMOR ATRAVÉS DAS IDADES
                                                     
 (Carlos Drummond de Andrade)

 





Eu te gosto, você me gosta                  Depois (tempos mais amenos)
desde tempos imemoriais.                     fui cortesão de Versailles,
Eu era grego, você troiana,                  espirituoso e devasso.
troiana mas não Helena.                       Você cismou de ser freira...
Saí do cavalo de pau                           Pulei muro de convento
para matar seu irmão.                          mas complicações políticas
Matei, brigamos, morremos.                   nos levaram a guilhotina.
                                                                         
 Virei soldado romano,                          Hoje sou moço moderno,
 Perseguidor de cristãos.                      remo, pulo, danço, boxo,
 Na porta da catacumba                       tenho dinheiro no banco.
Encontrei-te novamente.                      Você é uma loura notável,
Mas quando vi você nua                       boxa, dança, pula, rema.
Caída na areia do circo                         Seu pai é que não faz gosto.
 E o leão que vinha vindo,                     Mas depois de mil peripécias,
 Dei um pulo desesperado                      eu, herói da Paramount,
e o leão comeu nós dois.                       te abraço, beijo e casamos.

Depois fui pirata mouro                  Poesia e prosa.
Flagelo da Tripolitânia.                   Rio de Janeiro, Nova Aguilar, 1988.
Toquei fogo na fragata
Onde você se escondia
Da fúria do meu bergantim.
Mas quando eu ia te pegar
E te fazer minha escrava,
Você fez o sinal-da-cruz
E rasgou o peito a punhal...
Me suicidei também.

domingo, 3 de abril de 2016

TUDO O QUE ACONTECE


Tudo o que acontece, acontece. Tudo o que, ao acontecer, faz com que outra coisa aconteça, faz com que outra coisa aconteça. Tudo o que, ao acontecer, faz com que ela mesma aconteça de novo, acontece de novo. Isso, contudo, não acontece necessariamente em ordem cronológica.


Douglas Adams

domingo, 13 de março de 2016

E AGORA JOSÉ? Carlos Drummond de Andrade




A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, você?
você que é sem nome,
que zomba dos outros,
você que faz versos,
que ama, protesta?
e agora, José?

Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio,
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José?

E agora, José?
Sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro,
sua incoerência,
seu ódio  e agora?

Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?

Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse...
Mas você não morre,
você é duro, José!

Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja a galope,
você marcha, José!
José, para onde?