quarta-feira, 16 de janeiro de 2013
CRÔNICA DE AMOR (Arnaldo Jabor)
Ninguém ama outra pessoa pelas qualidades que ela tem, caso contrário os
honestos, simpáticos e não fumantes teriam uma fila de pretendentes batendo a
porta. O amor não é chegado a fazer contas, não obedece à razão. O verdadeiro
amor acontece por empatia, por magnetismo, por conjunção estelar. Ninguém ama
outra pessoa porque ela é educada, veste-se bem e é fã do Caetano. Isso são só
referenciais. Ama-se pelo cheiro, pelo mistério, pela paz que o outro lhe dá,
ou pelo tormento que provoca. Ama-se pelo tom de voz, pela maneira que os olhos
piscam, pela fragilidade que se revela quando menos se espera. Você ama aquela
petulante. Você escreveu dúzias de cartas que ela não respondeu, você deu
flores que ela deixou a seco. Você gosta de rock e ela de chorinho, você gosta
de praia e ela tem alergia a sol, você abomina Natal e ela detesta o Ano Novo,
nem no ódio vocês combinam. Então? Então, que ela tem um jeito de sorrir que o
deixa imobilizado, o beijo dela é mais viciante do que LSD, você adora brigar
com ela e ela adora implicar com você. Isso tem nome. Você ama aquele
cafajeste. Ele diz que vai e não liga, ele veste o primeiro trapo que encontra
no armário. Ele não emplaca uma semana nos empregos, está sempre duro, e é meio
galinha. Ele não tem a menor vocação para príncipe encantado e ainda assim você
não consegue despachá-lo. Quando a mão dele toca na sua nuca, você derrete
feito manteiga. Ele toca gaita na boca, adora animais e escreve poemas. Por que
você ama este cara? Não pergunte pra mim; você é inteligente. Lê livros,
revistas, jornais. Gosta dos filmes dos irmãos Coen e do Robert Altman, mas
sabe que uma boa comédia romântica também tem seu valor. É bonita. Seu cabelo
nasceu para ser sacudido num comercial de xampu e seu corpo tem todas as curvas
no lugar. Independente, emprego fixo, bom saldo no banco. Gosta de viajar, de
música, tem loucura por computador e seu fettucine ao pesto é imbatível. Você
tem bom humor, não pega no pé de ninguém e adora sexo. Com um currículo desse,
criatura, por que está sem um amor? Ah, o amor, essa raposa. Quem dera o amor
não fosse um sentimento, mas uma equação matemática: eu linda + você
inteligente = dois apaixonados. Não funciona assim. Amar não requer
conhecimento prévio nem consulta ao SPC. Ama-se justamente pelo que o Amor tem
de indefinível. Honestos existem aos milhares, generosos têm às pencas, bons
motoristas e bons pais de família, tá assim, ó! Mas ninguém consegue ser do
jeito que o amor da sua vida é! Pense nisso. Pedir é a maneira mais eficaz de
merecer. É a contingência maior de quem precisa.
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