Meu caro Vinicius
de Moraes:
Escrevo-lhe aqui de
Ipanema para lhe dar uma notícia grave: A Primavera chegou. Você partiu antes.
É a primeira Primavera, de 1913 para cá, sem a sua participação. Seu nome virou
placa de rua; e nessa rua, que tem seu nome na placa, vi ontem três garotas de
Ipanema que usavam minissaias. Parece que a moda voltou nesta Primavera — acho
que você aprovaria. O mar anda virado; houve uma Lestada muito forte, depois
veio um Sudoeste com chuva e frio. E daqui de minha casa vejo uma vaga de
espuma galgar o costão sul da Ilha das Palmas. São violências primaveris.
O sinal mais
humilde da chegada da Primavera vi aqui junto de minha varanda. Um tico-tico
com uma folhinha seca de capim no bico. Ele está fazendo ninho numa touceira de
samambaia, debaixo da pitangueira. Pouco depois vi que se aproximava, muito
matreiro, um pássaro-preto, desses que chamam de chopim. Não trazia nada no
bico; vinha apenas fiscalizar, saber se o outro já havia arrumado o ninho para
ele pôr seus ovos.
Isto é uma história
tão antiga que parece que só podia acontecer lá no fundo da roça, talvez no
tempo do Império. Pois está acontecendo aqui em Ipanema, em minha casa, poeta.
Acontecendo como a Primavera. Estive em Blumenau, onde há moitas de azaléias e
manacás em flor; e em cada mocinha loira, uma esperança de Vera Fischer. Agora
vou ao Maranhão, reino de Ferreira Gullar, cuja poesia você tanto amava, e que
fez 50 anos. O tempo vai passando, poeta. Chega a Primavera nesta Ipanema, toda
cheia de sua música e de seus versos. Eu ainda vou ficando um pouco por aqui —
a vigiar, em seu nome, as ondas, os tico-ticos e as moças em flor. Adeus.
Setembro, 1980
Nota: Vinícius faleceu em Julho de 1980.
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