Apoiando-se na leitura como porta de acesso
sugerimos a seguir 10 livros infantis que abordam
esses temas de forma sensível e sem artificialismos.
Boa leitura!
1. Acompanhando
meu pincel - Dulari Devi, com texto de Gita Wolf (WMF Martins Fontes,
2014)
Ao percorrer as delicadas e vibrantes ilustrações
nas páginas deste livro, o leitor fica conhecendo a história de como a sua
autora, a indiana Dulari Devi, se tornou uma artista. Nascida em uma família
pobre, de tradição pescadora, ela precisou trabalhar na infância, ajudando a
mãe na plantação de arroz, cuidando dos irmãos mais novos em casa, fazendo
trabalhos domésticos para os vizinhos. O que mais gostava de fazer, no entanto,
era parar no caminho para ver as outras crianças brincarem.
“Às vezes eu tinha vontade de fazer algum
trabalho diferente, pois desde pequena era sempre a mesma coisa, todos os
dias”, confidenciou em relato oral à editora Gita Wolf, que o reproduziu em
texto no livro. Sem nunca ter ido à escola, Dulari não aprendeu a ler ou
escrever, mas a vontade de “produzir alguma coisa bonita” a levou a descobrir
sua vocação na pintura, especialmente na técnica Mithila, estilo que a tornou
uma celebrada artista popular, e que agora usa para retratar lindamente as
cenas mais marcantes da sua infância.
2. É tudo família!Alexandra Maxeiner e Anke Kuhl (L&PM Editores, 2013)
Como um almoço de domingo, em que sempre cabe
mais um, este livro abrange a diversidade das formações familiares
contemporâneas. Em ritmo de HQ, ilustra algumas possibilidades: há famílias com
filhos únicos ou numerosos, famílias com pais separados que podem se dar bem ou
não, famílias com padrastos ou madrastas (geralmente diferentes das personagens
dos filmes), famílias com pais homossexuais ou viúvos, famílias cujas crianças
são criadas pelos avós, pais adotivos ou vivem em um orfanato.
Além dos diferentes tipos de laços familiares,
apresentados de forma bem-humorada e sem artificialismos, o livro dá conta
também de aspectos afetivos que permeiam essas relações: sentimentos como
raiva, tristeza e amor, a rotina frenética de quem tem duas casas, a dor
provocada pela perda de um parente querido e até mesmo circunstâncias mais
obscuras, como a violência contra crianças: “Existem pais que tratam seus
filhos muito mal. Nunca os abraçam ou beijam. Só gritam com eles. Outros até
batem nos filhos, embora isto seja proibido!”.
3. Um outro país para AzziSarah Garland (Pulo do Gato, 2012)
A partir do olhar da menina Azzi, este livro
retrata uma família do Oriente Médio, que se vê obrigada a fugir quando a
guerra começa a afetar sua rotina. “Às vezes, o barulho das metralhadoras nos
helicópteros era tão alto que as galinhas ficavam assustadas e paravam de botar
ovos”, conta a protagonista, nessa narrativa ricamente ilustrada, revelando sua
perspectiva da aproximação do conflito.
Apesar das dificuldades que se impõem na
travessia da sua família para um novo país – desde a fome, o frio e a sede que
sentiu, passando pela preocupação com o bem-estar dos pais, até a saudade da
avó, que permanece no país antigo para cuidar da casa – Azzi encara a situação
como uma aventura e acaba descobrindo sentimentos que não conhecia, como a
solidariedade e a esperança.
Inspirada por algumas famílias de refugiados da
Birmânia e do Butão que encontrou na Nova Zelândia, a autora estudou as
memórias daqueles que precisaram fugir ou foram exilados de seus países e
pesquisou detalhes com professores e especialistas em leis de imigração e
direitos humanos para contar uma história universal de mudança e adaptação.
4. A diaba e sua filhaMarie NDiaye, com ilustrações de Nadja Fejtö (CosacNaify, 2011)
Todos os dias, ao anoitecer, uma diaba de pele
escura, olhos brilhantes e roupas muito limpas sai pelas ruas da cidade,
batendo de porta em porta, em busca de sua filha perdida. Prestes a ajudá-la,
as pessoas reparam que ela tem cascos negros e delicados no lugar dos pés e
imediatamente a expulsam de suas casas, apagando as luzes até que se afaste.
Ao narrar esse conto de mistério, antes uma
alegoria sobre nossos próprios medos e preconceitos, a autora coloca bem e mal,
humanidade e demônios, nós e os outros na mesma página, nos desafiando a buscar
qualquer traço de humanidade dentro de nós mesmos.
Como escreveu Mia Couto no prefácio do livro, a
franco-senegalesa NDiaye fala da necessidade de classificarmos os outros e os
arrumarmos em bons e maus, em anjos e monstros. “Nestas páginas se inscreve,
enfim, a facilidade em culparmos e diabolizarmos os que são diferentes e o modo
como os sinais de aparência (no caso, os pés de cabra) se erguem como marca de
fronteira entre os ‘nossos’ e os ‘do lado de lá’.”
5. Martin e RosaRaphaële Frier e Zaü (Pequena Zahar, 2014)
Os ônibus só passavam em frente às casas das
pessoas brancas, e negros só podiam se sentar no fundo, isso se nenhum branco
quisesse o seu lugar. Restaurantes, banheiros públicos, elevadores e guichês
tinham divisões de raças identificadas por tabuletas. Casais mistos também eram
proibidos em qualquer lugar.
Muitos já ouviram falar sobre discriminação
racial, mas poucos têm memória do quanto ela se impôs ao cotidiano dos negros
no sul dos Estados Unidos, no período após a Guerra de Secessão. Para suprir
essa lacuna, este livro informativo resgata alguns eventos históricos que
marcaram os avanços na luta pelos direitos civis e pela igualdade entre os
povos, destacando a trajetória daqueles que foram seus maiores representantes:
Rosa Parks e Martin Luther King.
6. Mandela: o africano de todas as coresAlain Serres e Zaü (Pequena Zahar, 2013)
Quando criança, ele gostava de pastorear
carneiros, cortar galhos para arremessar bastão. Brincava com os cabelos
brancos do pai e bebia leite recém-tirado das vacas. Um pouco mais velho,
participava até tarde das conversas serenas dos adultos sobre os rumos da
aldeia e queria estudar para não ter de trabalhar nas minas de ouro como os
outros homens da aldeia.
Organizado em ordem cronológica, este livro
apresenta a biografia de Rolihlahla, mais conhecido como Nelson
Mandela, em uma linguagem poética e acessível para crianças. Em tom intimista,
revela o seu percurso na África do Sul, em nome da democracia e igualdade de
direitos, destacando o período de quase 30 anos que passou na prisão, até se
tornar um dos maiores símbolos de resistência, coragem e paz para a humanidade.
7. Eloísa e os bichos (disponível
em ISSUU) Jairo Buitrago e ilustrações de Rafael Yockteng (Pulo do Gato, 2013)
“Eu não sou daqui. Chegamos numa tarde, quando eu era bem pequena.” Assim começa o relato da protagonista, uma menina que chega a uma nova cidade com seu pai, em busca de uma vida melhor, talvez até fugindo de um passado doloroso. Nesse cenário, tudo o que ela encontra é um mundo estranho, onde as coisas obedecem a regras diferentes.
Ao aliar um texto conciso a ilustrações
simbólicas e ricas em detalhes, este livro pousa um olhar terno e renovador
sobre questões sociais, como o deslocamento, o respeito à diversidade e a
recusa à intolerância. Segundo descrição na revista espanhola “Babar”, este é um daqueles livros aos
quais se retorna mais de uma vez, procurando descobrir o segredo da sua grande
carga emotiva e humana. “Como é possível dizer tanto em tão poucas páginas e
frases tão sucintas?”
8. O mundo no Black Power de TayóKiusam de Oliveira e ilustração de Taisa Borges (Peirópolis, 2013)
A protagonista deste livro é uma menina de 6 anos
que, além de brincar e adorar bichos, tem orgulho da sua pele e dos seus olhos
negros. Apesar do preconceito das outras crianças, faz questão de enfeitar seu
cabelo black power das formas mais criativas. Seu
nome, Tayó, originário do idioma africano iorubá,
significa “da alegria” e espelha a forma como ela se relaciona com as pessoas a
sua volta e com suas raízes.
Vencedor do Prêmio ProAC de Cultura Negra em
2012, este livro traz uma mensagem de valorização das raízes culturais
brasileiras. “Hoje, eu olho para Tayó e posso ver minhas sobrinhas, primas,
alunas – posso ver a mim mesma – e sentir orgulho. Isso, em termos de
identidade, é fundamental, uma vez que as crianças negras não têm modelos
positivos nas revistas e programas de televisão como espelho. É um caminho que
ainda deve ser construído pelas mídias brasileiras”, afirma a autora.
9. A história de Júlia e sua sombra de meninoChristian Bruel e Anne Galland, com ilustrações de Anne Bozellec (Scipione, 2010)
“Você sempre tem que fazer tudo tão diferente?”,
interroga a mãe. Ao que a filha responde: “Eu não sou como todo mundo, mamãe.
Eu sou a Júlia!” O título do livro, somado a este diálogo em família, já dá uma
ideia dos rumos desta narrativa. Pressionada pelo olhar vigilante dos pais, que
não ‘entendem’ o seu comportamento, um dia Júlia acorda e se percebe com uma
sombra de menino.
Por aí segue a história, que além do tema da
aceitação e da busca pela identidade, aborda as diferentes concepções da
infância, as tentativas dos pais em enquadrar os filhos em suas próprias
expectativas e a cumplicidade entre as crianças que vivem situações
semelhantes. Um clássico da literatura infantil francesa, publicado
originalmente em 1976 e traduzido para vários idiomas.
10. O nascimento de Celestine Gabrielle Vincent (Editora 34, 2014)
Esta é uma história sobre o afeto e a amizade,
que começa no dia em que o solitário urso Ernest encontra a ratinha Celestine
abandonada em uma lata de lixo. Descortinam-se, a partir daí, os preconceitos
que enfrenta para ficar com ela e os cuidados que dedica ‘ao bebê’ nos momentos
mais difíceis.
Um livro-chave da artista belga Gabrielle Vincent
(1928-2000) que, com poucas palavras e finos traços de sonho, em tons de sépia,
mostra porque esses personagens conquistaram leitores no mundo inteiro. O
editor Arnaud de la Croix escreve no posfácio: “[Ernest e Celestine] não são
datados, uma vez que tratam do essencial: os sentimentos compartilhados”
Sugestões de:
Cristiane Tavares - jornalista
e mestre em Literatura e Crítica Literária pela PUC-SP, coordenadora de um
projeto de formação de professores na comunidade de Paraisópolis, em São Paulo.
Sandra Medrano - pedagoga e
mestre em didática da Língua Portuguesa, coordenadora de projetos de formação
de professores na Comunidade Educativa CEDAC e no Laboratório de Educação.
Thaís Albieri – editora,
bacharel em Letras pela Unicamp-SP, onde fez mestrado e doutorado em Literatura
Brasileira.