sábado, 5 de outubro de 2013

A FADA DA LUZ - (Meyr Vasconcelos)


Um pouco antes de chegar em casa, Carlinhos percebeu que havia algo estranho no ar, o ar parecia carregado de energia negativa.
Abriu a porta com cuidado e entrou. Logo percebeu o motivo. Seus pais o esperavam sentado no sofá com cara de poucos amigos. Mal entrou, seu pai já começou a falar:
– Muito bem! Parece que você nos deve uma explicação, rapazinho! Sua professora nos chamou até a escola para falar do seu desinteresse pelos estudos. Poderia nos explicar o porquê do
seu desinteresse?
Carlinhos sentou-se junto deles e resolveu ser o mais sincero possível.
– Eu não sei, pai: apenas não consigo mais gostar de estudar,
tento prestar atenção, mas a aula sempre parece chata, por mais que eu me esforce, não consigo aprender.
Sua mãe triste comentou com voz de choro:
– Como pode, filho? Você sempre foi um excelente aluno, o melhor da sala e, de repente, você fica assim, desinteressado pelos estudos! Deve haver uma explicação.
– Mãe, simplesmente não sei o que se passa comigo, tento me interessar, me esforço pra lembrar as tarefas que a pede pra fazer em casa, mas, quando me lembro, já é tarde demais e acabo não fazendo. Prometo que vou me esforçar.
Subiu para seu quarto triste e cabisbaixo. Na verdade, não se interessava pela escola e não entendia o porquê. Depois de pensar muito, resolveu descer e jantar. Todos fizeram a refeição em silêncio.
Seu pai foi para a sala assistir ao jornal, enquanto sua mãe foi lavar a louça do jantar.
Carlinhos foi até a praça, sentou-se num banco e ficou observando um grupo de crianças que brincavam de roda, felizes e despreocupadas. Como eram felizes! Ainda não estavam na idade de ir para a escola. Ainda bem, pensou. Tomara que, quando chegar o dia de essas crianças frequentarem a escola, não passem pelo mesmo problema.
Carlinhos sempre gostou tanto de estudar e estava numa situação tão difícil e sem explicação. Voltou para casa e, ao se deitar, viu através da janela aberta uma estrela cadente e fez um pedido.
– Estrela cadente, desejo do fundo do meu coração voltar a ser um garoto estudioso. Pediu com muita fé e depois adormeceu.
De madrugada, acordou com uma voz doce e meiga. Abriu os olhos e viu uma pequena fada que iluminava o quarto todo com sua luz. Carlinhos pensou que talvez estivesse sonhando e, mesmo
assim, perguntou:
– Quem é você? O que faz aqui?
– Meu nome é Fada da Luz e vim para atender ao seu pedido.
Carlinhos ficou muito feliz.
– Que bom! O que você fará?
– Bom, durante cinco dias consecutivos lhe farei perguntas diferentes para as quais esperarei respostas à noite. A primeira pergunta é esta: quem foi Albert Einstein?
– Sei lá! – respondeu Carlinhos.
– Não precisa responder agora, amanhã à noite voltarei para saber a resposta.
Após falar isso, desapareceu. Carlinhos levantou bem cedinho, seus pais já tinha ido
trabalhar. Olhou nos livros da estante da sala e não encontrou nada sobre Albert Einstein. Foi para a escola e, quando lá chegou, foi logo perguntando para o seu professor de Ciências que lhe
respondeu:
– Este gênio do século XX teve uma infância solitária. Gostava de ler e ouvir música, não se identificando com as brincadeiras praticadas pelas outras crianças. Einstein sempre demonstrou grande
habilidade para a compreensão dos conceitos matemáticos. Com 12 anos, aprendeu sozinho geometria euclidiana e, quando se mudou para Milão, em 1894, Einstein fez a leitura de inúmeros livros de
Ciências. Einstein sempre foi crítico dos métodos de ensino das escolas e, apesar de ter fraco resultado escolar, Einstein tinha uma enorme curiosidade em compreender o Universo. Apresentou uma
postura autodidata, afirmando que “preferiria suportar qualquer coisa ou castigo a ter que papaguear as coisas aprendidas, e autoclassificava-se como “livre-pensador fanático”. Por que quer
saber, Carlinhos?
– Por nada, professor; era só curiosidade.
Na madrugada, a fada chegou e perguntou-lhe a resposta.
Carlinhos respondeu com perfeição e entusiasmo.
– Muito bem, agora vamos à próxima pergunta: quem foi Rui Barbosa? Voltarei amanhã novamente.
E desapareceu como da outra vez.
No dia seguinte, Carlinhos encontrou a resposta no livro de escola e descobriu que Rui Barbosa era dotado de uma memória
privilegiada, acrescida de uma curiosidade intelectual insaciável, seus hábitos da leitura e da escrita foram se incorporando à sua vida de tal maneira que mesmo as horas de lazer eram dedicadas aos livros;
anotava e assinalava verbetes e assuntos, fixava ideias e frases, elaborava bibliografias, tudo que lhe interessasse e de que um dia viesse a precisar. Esse hábito, ele o desenvolveu ao longo da vida;
ajudou a exercitar sua memória e duplicou sua capacidade de trabalho. Quanto mais lia, mais impressionado ficava e, à noite, quando a fada apareceu, Carlinhos a esperava acordado e lhe mostrava o resultado da pesquisa. Muito contente, recebeu os parabéns da fada. A próxima pergunta foi sobre Machado de Assis. Pulou cedo no dia seguinte e, depois da aula, voltou até a biblioteca, onde obteve rapidamente a resposta desejada. Descobriu que Joaquim Maria Machado de Assis era um descendente de
escravos, seu pai trabalhava como pintor de paredes e a mãe, portuguesa, morreu quando ele tinha dez anos. Descobriu também que ele não teve educação formal, pois teve que começar trabalhar cedo para ajudar a família. Aprendeu a falar francês com um padeiro, já alemão e inglês aprendeu estudando sozinho. Achou engraçado, porque, assim como ele, o escritor também tinha uma caligrafia ruim que, às vezes, até ele tinha dificuldade de entender o que escrevia. Ficou perplexo ao saber que Machado de Assis era gago e tinha epilepsia. Como das outras vezes, à noite a fada ouviu sobre a pesquisa. E fez a última pergunta:
– Quem foi Carlos Drummond de Andrade?
De manhã, Carlinhos foi até a biblioteca municipal e, depois de algum tempo, encontrou a resposta. Ficou surpreso ao descobrir que este grande escritor, aos 17 anos, tinha sido expulso do Colégio
Anchieta, em Nova Friburgo, no Rio de Janeiro, depois de um desentendimento com o professor de Português. Tinha a mania de picotar papel e tecidos.
Carlinhos aproveitou para pegar emprestados alguns livros na biblioteca, coisa que não fazia há muito tempo. À noite, a fada voltou e, depois de ouvir Carlinhos falar sobre Carlos Drummond de Andrade com entusiasmo que não se via há tempos, despediu-se.
Antes, porém, Carlinhos perguntou-lhe:
– Nossa, como você conseguiu fazer com que eu me interessasse pelos estudos novamente?
– Através destas pesquisas, você deve ter observado que todos tinham algo em comum, a determinação para ter sucesso, revelando acima de tudo sentimentos de medo, depressão e solidão, desinteresse pelas coisas ensinadas de forma comum, mas, e apesar disso, superaram suas dificuldades e conquistaram o mundo! Você só precisava de incentivo. O conhecimento é o pão que alimenta nosso espírito. Estude bastante, dedique-se e será feliz!
Graças à Fada da Luz, Carlinhos estudou muito e se tornou um mestre da Língua Portuguesa. E resolveu escrever um livro sobre um menino que conheceu uma linda fada que iluminou a sua vida.


Meir Almeida Alves Machado nasceu em Ipuã, cidade do interior de São Paulo, no dia 31 de agosto de 1966. Aos 45 anos de idade, publicou seu primeiro livro As aventuras de Samuca e sua turma, pela Biblioteca 24 horas, realizando seu sonho de infância.

segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Lúcia Já-Vou-Indo – Maria Heloísa Penteado




Lúcia Já-Vou-Indo não sabia andar depressa de maneira nenhuma. Andava devagar, falava devagar, chorava e ria devagarzinho e pensava mais devagar ainda. Muito natural, pois ela era uma lesma.Um dia, Lúcia recebeu um convite para uma festa. Levou o dia inteirinho para ler o bilhete que dizia assim:

"Chispa-Foguinho, a libélula, convida você para uma festa dançante, embaixo do Pé de Maracujá, às oito horas da noite do dia 30 de janeiro. Comes e bebes, muita música, muita alegria, tudo do bom, do melhor e de graça".

Mal acabou de ler, Lúcia já se foi preparando para a festa. Queria se pôr a caminho imediatamente, embora faltasse ainda uma semana.

- Juro que vou chegar na hora! -disse para si mesma. E começou a lembrar as muitas festas que havia perdido por chegar sempre atrasada. Ao aniversário da Maroquinha Cocinela, que era sua vizinha, chegou um dia depois da festa. Ao casamento do grilo João das Pintas com Sarapintada, chegou tão tarde que foi encontrar o casal já com um filhinho.

Nesse instante, o relógio da sala bateu três horas da tarde e Lúcia teve um sobressalto. Pois não é que já perdera duas horas pensando naquelas coisas? E começou a se arrumar afobadamente. Pôs na cabeça uma peruca de cachinhos com um laçarote de fita cor-de-laranja, e com isso perdeu um dia inteirinho.

Encheu uma cesta com brotinhos de alface para ir comendo pelo caminho, e lá se foi mais um dia. Deu corda no relógio para que não parasse na sua ausência e outro dia perdeu. Só faltava fechar a casa e ela perdeu nesse serviço mais um dia. Enfim a molenga se pôs a caminho, tendo exatamente três dias para chegar ao Pé de Maracujá que não era muito longe.

Chegou o dia da festa e ela ainda estava andando. Pelo caminho encontrou muita gente que também ia para lá. Viu dona Içá, com a cinturinha apertada num cinto de fivela de ouro, de braço dado com o marido de camisa listada e boné. Viu Lili Taturana toda besuntada de brilhantina para que seus pelinhos não ficassem arrepiados. Viu Zé Caramujo de cachecol xadrez enrolado no pescoço. Viu as formiguinhas Quem-Quem numa longa fila, comportadas e quietinhas como meninas de orfanato a passeio num domingo.

Viu abelhas, besouros, pernilongos, vespas e mil outros bichinhos. Todos passavam por ela e sumiam ao longe.

- Depressa, Lúcia, assim você não chega! - diziam de passagem.

E ela respondia mastigando devagarzinho um brotinho de alface:

- Já vou indo... Já vou indo... - e se esforçava, pensando que estava andando um bocadinho mais depressa.

Enfim, ela começou a ouvir a orquestra das cigarras. Estou pertinho, pensou. Mais algumas horas e estou lá. E seu entusiasmo era tamanho que até conseguiu, de fato, andar um pouquinho mais depressa.

- Olha a pedra no caminho! - gritou nesse instante João Barata do Mato, que também ia indo para a festa.

Aviso inútil, porque Lúcia Já-Vou-Indo a viu muito bem. Era a Maria Redonda, uma pedra perversa que gostava de pregar peças nos outros.Ficava sempre no meio do caminho, de propósito, para que tropeçassem nela e caíssem. Então ria de se sacudir toda.

Eu vou me desviar dela, pensou a lesminha. Mas a coitada pensava mais devagar ainda do que andava. Por isso não teve tempo de se desviar. Tropeçou e caiu. Mas não se machucou porque caiu muito devagarinho.. tão devagarinho que a pedra nem achou graça.

Lúcia levantou-se, arrumou a peruca que se havia entortado na cabeça e foi buscar a cestinha que havia rolado longe. Nisso, perdeu um dia e mais outro.

Quando chegou ao Pé de Maracujá, não havia mais nem sinal da festa, a tão esperada, comentada e suspirada festa. ­Quem achou graça no caso, foi o Pé de Maracujá. Começou a bater uma folha na outra e a cantar assim:

 

"A Lúcia Já-Vou-Indo Vinha vindo, vinha vindo,

Tropeçou numa pedrinha, Foi caindo, foi caindo!"

 

Mas Lúcia não achou graça nenhuma. Chorou muito o seu chorinho vagaroso de lesma: uma lágrima por hora, um soluço a cada meia hora.

Chorou, chorou, mas seu choro manso não conseguiu acordar a libélula Chispa-Foguinho que dormia cansada da festa. Ela só escutou o chorinho da lesma no outro dia, quando acordou.

- O que será isso? - a libélula disse e foi espiar. Viu a pobre Lúcia chorando, compreendeu tudo e ficou morrendo de pena. Foi buscar uns docinhos que sobraram da festa e ofereceu-os a Lúcia.

Conversou bastante com ela para ver se a consolava, e nada. Lúcia Já-Vou-Indo continuava com o seu choro em câmara lenta e depressa a libélula se cansou. Numa última tentativa, ela disse:

- Sabe, Lúcia, quem vai dar uma festa agora é você. Sendo a festa na sua casa, é impossível você chegar atrasada.

A lesminha ficou pensando naquilo e, como pensava muito devagar, a libélula chamou as irmãs e, ligeiras como foguetinhos, foram à casa de Lúcia, prepararam tudo e distribuíram os convites.

 

Credo! A família da libélula era toda elétrica. Zás-trás e tudo ficou pronto. Só faltava colocar a Lúcia dentro de casa para receber os convidados.

Enquanto isso, Lúcia Já-Vou-Indo, que já tinha acabado de pensar e estava encantada com a idéia, vinha vindo o mais depressa que podia. Talvez, dentro de alguns dias ­se não tropeçasse outra vez na pedra Maria Redonda estivesse em casa.

E a libélula Chispa-Foguinho tinha agora um problema: os convidados já estavam chegando e a festa não podia começar porque a dona da casa estava fora. Como trazer Lúcia o mais depressa possível? ".

Cric!... A libélula deu um estalinho. Já descobrira a solução. Num abrir e fechar de olhos, explicou tudo às irmãs e foram buscar a Lúcia.

Puseram a molenga em cima de uma folha de capim e vieram voando trazendo a folha pelos ares. Danadas como elas só, em dois minutos a lesma estava em casa. Isso, apesar de ter caído da folha três vezes.

Foi assim que ,oh maravilha! Pela primeira vez na vida, Lúcia já vou indo assistiu a uma festa inteirinha, do começo ao fim.

 

 

FONTE: http://mariamachado.blog.com/index.php/2011/02/06/ginastica-historiada/

sábado, 21 de setembro de 2013

LANÇAMENTO LIVRO INFANTIL- "As Aventuras de Aninha"-Ed. Paginas & Letras

LANÇAMENTO LIVRO INFANTIL
“AS AVENTURAS DE ANINHA-  A Casa do João de Barro e seus filhotes”
Coordenado pela professora Susete Mendes, obra infantil produzida coletivamente por alunas do Curso de Pedagogia EAD - Uniararas
Sinopse
O presente trabalho é a expressão escrita de uma das atividades desenvolvida nas aulas que a Professora Susete Mendes vem ministrando, com sua experiência no Curso de Pedagogia EAD. Foi registrado como uma coleção “As aventuras de Aninha”. Este primeiro volume conta a história do João de Barro e seus filhotes.
 

Acompanha o livro, uma sacolinha e fantoche de um dos personagens da história.
Valor R$ 20,00 - pedidos podem ser feito pelo e-mail: suse.mendes@hotmail.com

ou pelo telefone (011) 3912 7714 - Lilian Mendes




 

sábado, 14 de setembro de 2013

Excluídos - FERREIRA GULLAR


DE ALGUM tempo para cá, a parte da sociedade que mora em favelas e bairros pobres é qualificada como "excluída". Ou seja, os moradores da Rocinha e do Vidigal, por exemplo, não vivem ali porque não dispõem de recursos para morar em Ipanema ou Leblon, e sim porque foram excluídos da comunidade dos ricos. E eu, com minha mania de fazer perguntas desagradáveis, indago: mas alguma vez aquele pessoal da Rocinha morou nos bairros de classe média alta e dos milionários? Afora um ou outro que possa ter se arruinado socialmente ou que tenha optado por residir ali, todos os demais foram levados a isso por sua condição econômica ou porque ali nasceram. Então por que considerá-los "excluídos", se nunca estiveram "incluídos"?
No meu pouco entendimento, excluído é quem pertenceu a uma entidade ou a comunidade e dela foi expulso ou impedido de nela continuar. Quem nunca pertenceu às classes remediadas ou abastadas não pode ter sido excluído delas. Mais apropriado seria dizer que nunca foi incluído. Ainda assim, se não me equivoco, incorreríamos em erro. Senão, vejamos: a Rocinha, o Vidigal, o Borel e a favela da Maré fazem parte da cidade do Rio de Janeiro, não fazem? Seria correto afirmar, então, quer seja do ponto de vista urbanístico, quer do demográfico e social, que o Rio são apenas os bairros em que reside a parte mais abastada da população? Se fizermos isso, então, sim, estaremos excluindo parte considerável do território e da gente que constitui a cidade do Rio e que, portanto, pertence a ela.
Consideremos agora a questão de outro ponto de vista. Nos morros e favelas da cidade residem cerca de 1 milhão de pessoas, que têm vida social ativa, pois trabalham, estudam, participam de organizações comunitárias e recreativas. A maioria delas trabalha fora de sua comunidade, no comércio, na indústria, no serviço público, ou desenvolve atividade informal. Logo, participa da vida econômica, cultural e esportiva da cidade. Em que sentido, então, essa gente estaria excluída? Não resta dúvida de que as famílias faveladas, na sua ampla maioria, vivem em condições precárias, tanto no que se refere ao conforto domiciliar quanto à alimentação, às condições de higiene e saneamento, educação, saúde e segurança. Mas não estão excluídas da preocupação dos políticos que, na época das eleições, vão até lá em busca de votos. Há, nessa comunidade, cabos eleitorais, pessoas que atuam em associações de bairro e fazem a ligação com os centros políticos de poder. É certo que a grande maioria dessa gente não participa da vida política, mas isso ocorre também com as demais pessoas, morem onde morarem. Por todas essas razões, somos obrigados a concluir que os pobres e favelados estão incluídos na vida econômica, social e política da sociedade.
No entanto, isso não significa que estejam em pé de igualdade com as pessoas das classes médias e ricas. Não estão e, na sua grande maioria, descendem de gerações de brasileiros que tampouco gozaram dessa igualdade. Muitos descendem de antigos escravos e de brancos pobres que, pela carência de meios e pela desigualdade que rege o processo social, jamais tiveram possibilidade de ascender econômica e socialmente. Eles não foram excluídos simplesmente porque jamais estiveram incluídos entre os mais ou menos privilegiados.
Por que, então, cientistas políticos, sociólogos e jornalistas, entre outros, falam de exclusão social? Por ignorância não será, já que todos eles estão a par do que, bem ou mal, tentei demonstrar aqui. Creio que, consciente ou inconscientemente, procura-se levar a sociedade a pensar que a desigualdade social não é conseqüência de fatores objetivos, do sistema econômico, mas sim resultado da deliberação de pessoas cruéis que empurram os mais fracos para fora da sociedade e os condenam à miséria.
Em vez de admitir que esse sistema, por visar acima de tudo o lucro e ser, por definição, concentrador da riqueza, é que dificulta, ainda que não impeça, a ascensão dos mais pobres, procura-se fazer crer que a desigualdade é fruto de decisões pessoais. Ignora-se que, no sistema capitalista, quem não tem emprego também está incluído nele, como exército de reserva de mão-de-obra, com a função de pressionar o trabalhador e limitar-lhe as reivindicações. A eliminação da miséria beneficia o sistema pois amplia o mercado consumidor. O empresário pode ser, como você ou eu, bom ou mau, generoso ou sovina, mas, como disse Marx, "o capital governa o capitalista". O problema está no sistema, não nas pessoas.

sábado, 7 de setembro de 2013

Recado ao Senhor 903 -Rubem Braga

VIZINHO
 
Quem fala aqui é o homem do 1003. Recebi outro dia, consternado, a visita do zelador do prédio, que me mostrou a carta em que o senhor reclamava contra o barulho em meu apartamento. Recebi depois a sua própria visita pessoal - devia ser meia-noite - e a sua veemente reclamação verbal. Devo dizer que estou desolado com tudo isso, e lhe dou inteira razão. O regulamento do prédio é explícito e, se não o fosse, o senhor ainda teria ao seu lado a lei e a polícia. Quem trabalha o dia inteiro tem direito ao repouso noturno e é impossível repousar no 903 quando há vozes, passos e músicas no 1003. Ou melhor: é impossível ao 903 dormir quando o 1003 se agita; pois como não sei o seu nome nem o senhor sabe o meu, ficamos reduzidos a ser dois números, dois números empilhados entre dezenas de outros. Eu, 1003, me limito a leste pelo 1005, a oeste pelo 1001, ao sul pelo Oceano Atlântico, ao norte pelo 1004, ao alto pelo 1103 e embaixo pelo 903 que é o senhor. Todos esses números são comportados e silenciosos; apenas eu e o Oceano Atlântico fazemos ruído e funcionamos fora dos horários civis; nós dois apenas nos agitamos e bramimos ao sabor da maré, dos ventos e da lua. Prometo sinceramente adotar, depois das 22 horas, de hoje em diante, um comportamento de manso lago azul. Prometo. Quem vier à minha casa (perdão, ao meu número) será convidado a se retirar às 21:45, e explicarei: o 903 precisa repousar das 22 às 7 pois às 8 deve deixar o 783 para tomar o 109 que o levará até o 527 de outra rua, onde ele trabalha na sala 305. Nossa vida, vizinho, está toda numerada,   e reconheço que ela só pode ser tolerável quando um número não incomoda outro número, mas o respeita, ficando dentro dos limites de seus algarismos. Peço-lhe desculpas - e prometo silêncio.
   Mas que me seja permitido sonhar com outra vida e outro mundo, em que um homem batesse à porta do outro e dissesse: "Vizinho, são três horas da manhã e ouvi música em tua casa. Aqui estou". E o outro respondesse: "Entra, vizinho, e come de meu pão e bebe de meu vinho. Aqui estamos todos a bailar e cantar, pois descobrimos que a vida é curta e a lua é bela".
E o homem trouxesse sua mulher, e os dois ficassem entre os amigos e amigas do vizinho entoando canções para agradecer a Deus o brilho das estrelas e o murmúrio da brisa nas árvores, e o dom da vida, e a amizade entre os humanos, e o amor e a paz."
(Rubem Braga. "Para gostar de ler". São Paulo: Ática, 1991)

segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Falando Sobre Leitura | Ler, por Luís Fernando Veríssimo


Ler...

Ler é o melhor remédio.
Leia jornal...
Leia outdoor...
Leia letreiros da estação do trem...
Leia os preços do supermercado...
Leia alguém!
Ler é a maior comédia!
Leia etiqueta jeans...
Leia histórias em quadrinhos...
Leia a continha do bar...
Leia a bula do remédio...
Leia a  página do ano passado perdida no canto da pia enrolando chuchus...
Leia a vida!
Leia os olhos, leia as mãos. Os lábios e os desejos das pessoas...
Leia a interação que ocorre ou não entre física, geografia, informática, trabalho, miséria e chateação...
Leia as impossibilidades...
Leia ainda mais as esperanças...
Leia o que lhe der na telha...
...mas leia, e as ideias virão!

terça-feira, 13 de agosto de 2013

DESEJOS" ou "OS VOTOS" - Sérgio Jockymann

Pois, desejo primeiro que você ame e que amando, também seja amado,
E que se não o for, seja breve em esquecer e esquecendo, não guarde mágoa.
Desejo, pois, que não seja só, mas que se for, saiba ser sem desesperar.
Desejo também que tenha amigos e que, mesmo maus e inconseqüentes, sejam corajosos e fiéis,
E que em pelo menos um deles você possa confiar, que confiando, não duvide de sua confiança.
E porque a vida é assim, desejo ainda que você tenha inimigos, nem muitos, nem poucos,
mas na medida exata para que, algumas vezes, você se interpele a respeito de suas próprias certezas.
E que entre eles haja pelo menos um que seja justo, para que você não se sinta demasiadamente seguro.
Desejo, depois, que você seja útil, mas não insubstituivelmente útil, mas razoavelmente útil.
E que nos maus momentos, quando não restar mais nada, essa utilidade seja suficiente para manter você de pé.
Desejo ainda que você seja tolerante, não com os que erram pouco, porque isso é fácil,
mas com os que erram muito e irremediavelmente, e que essa tolerância, não se transform em aplauso nem em permissividade,
Para que assim fazendo um bom uso dela, você dê também um exemplo para os outros.
Desejo que você, sendo jovem, não amadureça depressa demais e que, sendo maduro, não insista em rejuvenescer
E
que, sendo velho, não se dedique a desesperar.
Porque cada idade tem o seu prazer e a sua dor
E é preciso deixar que eles escorram dentro de nós.
Desejo, por sinal, que você seja triste, mas não o ano todo, nem em um mês e muito menos numa semana,
Mas apenas por um dia. Mas que nesse dia de tristeza, você descubra que o riso diário é bom,
o riso habitual é insosso e o riso constante é insano.
Desejo que você descubra, com o máximo de urgência, acima e a despeito de tudo,
Talvez agora mesmo, mas se for impossível, amanhã de manhã, que existem oprimidos, injustiçados e infelizes,
E que estão à sua volta, porque seu pai aceitou conviver com eles.
E que eles continuarão à volta de seus filhos, se você achar a convivência inevitável.
Desejo ainda que você afague um gato, que alimento um cão e ouça pelo menos um joão-de-barro erguer
triunfante o seu canto matinal;
Porque assim você se sentirá bem por nada.
Desejo também que você plante uma semente, por mais ridícula que seja, e acompanhe o seu crescimento dia-a-dia,
para que você saiba de quantas muitas vidas é feita uma árvore.
Desejo, outrossim, que você tenha dinheiro, porque é preciso ser prático.
E que, pelo menos uma vez por ano, você ponha uma porção dele na sua frente e diga:
"Isso é meu". Só para que fique bem claro quem é dono de quem.
Desejo ainda que você seja frugal, não inteiramente frugal,
não obcecadamente frugal, mas apenas usualmente frugal.
Mas que esse frugalismo não impeça você de abusar quando o abuso se impõe.
Desejo também que nenhum de seus afetos morra, por ele e por você,
Mas que, se morrer, você possa chorar sem se culpar e sofrer sem se lamentar.
Desejo, por fim, que sendo mulher, você tenha um bom homem,
E que sendo homem, tenha uma boa mulher.
E que se amem hoje, amanhã, depois, no dia seguinte, mais uma vez,
E novamente, de agora até o próximo ano acabar,
E que quando estiverem exaustos e sorridentes, ainda tenham amor para recomeçar. 
E se isso só acontecer, não tenho mais nada para desejar.

* * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * 

IMPORTANTE: esta poesia, de autoria de Sergio Jockymann, publicada em 1980 no Jornal Folha da Tarde, de Porto Alegre-RS, circula na internet como sendo de autoria de Victor Hugo, e assim foi publicada originalmente com o título 'Desejos'. Contactados pelo verdadeiro autor, com muito prazer desfazemos o equívoco, estabelecendo os créditos a quem de direito.

terça-feira, 30 de julho de 2013

O AFOGADO- Fernando Sabino



O AFOGADO- Fernando Sabino

- Vocês não souberam o que aconteceu com o carro dele?
Como nenhum de nós soubesse, pôs-se a contar-nos, excitado:
- Imaginem que tinha um sujeito se afogando na Praia de Botafogo e vários carros já haviam parado para ver. Ele parou atrás, junto à calçada. Então veio outro carro em disparada e bateu de cheio no dele.
- Estragou muito? – perguntou alguém da roda.
- Espere, não foi tudo: o dele, por sua vez, bateu no da frente. O da frente atropelou duas moças que iam passando. Elas ficaram feridas levemente, mas os carros ficaram completamente amassados. O dele, então, virou sanfona.
- Mas que azar! – comentou um, consternado.

- Logo aquele carro, novinho em folha! – disse outro.
- Pois foi isso: ficou em pandarecos.
- Então vai custar um dinheirão para consertar.
- Não tinha seguro? – tornou o primeiro.
- Ele não, mas o que bateu tem seguro contra terceiros: só que um seguro de cem mil não dá para cobrir o estrago de jeito nenhum.
- Além do mais, é um inferno tentar receber seguro nessas situações.
- Foi o que ele me disse. E tem os outros dois carros, que naturalmente vão pleitear parte desse seguro também.
- Mas se a culpa foi do outro, tem que pagar tudo.
- Até provar que a culpa foi do outro...
- Não houve perícia?
- Não, parece que não houve perícia.
A conversa prosseguiu entre comentários em que todos lastimavam a falta de sorte do amigo. Todos, menos eu, que me limitava a ouvir, pensativo.
- Você não disse nada – observou um deles.
É verdade, eu não disse nada, continuei calado. Não havia muito que dizer, além do que já fora dito pelos outros. Mas na realidade gostaria de saber o que foi que aconteceu com o homem que estava se afogando.

sexta-feira, 12 de julho de 2013

Amor... é pra gente grande...


1Ainda que eu falasse as línguas dos homens e dos anjos, e não tivesse amor, seria como o metal que soa ou como o sino que tine.
2E ainda que tivesse o dom de profecia, e conhecesse todos os mistérios e toda a ciência, e ainda que tivesse toda a fé, de maneira tal que transportasse os montes, e não tivesse amor, nada seria.
3E ainda que distribuísse toda a minha fortuna para sustento dos pobres, e ainda que entregasse o meu corpo para ser queimado, e não tivesse amor, nada disso me aproveitaria.
4O amor é sofredor, é benigno; o amor não é invejoso; o amor não trata com leviandade, não se ensoberbece.
5Não se porta com indecência, não busca os seus interesses, não se irrita, não suspeita mal;
6Não folga com a injustiça, mas folga com a verdade;
7Tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta.
8O amor nunca falha; mas havendo profecias, serão aniquiladas; havendo línguas, cessarão; havendo ciência, desaparecerá;
9Porque, em parte, conhecemos, e em parte profetizamos;
10Mas, quando vier o que é perfeito, então o que o é em parte será aniquilado.
11Quando eu era menino, falava como menino, sentia como menino, discorria como menino, mas, logo que cheguei a ser homem, acabei com as coisas de menino.
12Porque agora vemos por espelho em enigma, mas então veremos face a face; agora conheço em parte, mas então conhecerei como também sou conhecido.
13Agora, pois, permanecem a fé, a esperança e o amor, estes três, mas o maior destes é o amor.
Fonte - Biblia Sagrada - 1 Coríntios 13

domingo, 7 de julho de 2013

"Não te amo mais. Estarei mentindo ... ( autor desconhecido)

Leia o texto abaixo e depois leia de baixo para cima"

Não te amo mais.
Estarei mentindo dizendo que
Ainda te quero como sempre quis.
Tenho certeza que
Nada foi em vão.
Sinto dentro de mim que
Você não significa nada.
Não poderia dizer jamais que
Alimento um grande amor.
Sinto cada vez mais que
Já te esqueci!
E jamais usarei a frase
EU TE AMO!
Sinto, mas tenho que dizer a verdade
É tarde demais...
 

sexta-feira, 5 de julho de 2013

Meu filho voce não merece nada - Eliane Brum







A crença de que a felicidade é um direito tem tornado despreparada a geração mais preparada








 
Ao conviver com os bem mais jovens, com aqueles que se tornaram adultos há pouco e com aqueles que estão tateando para virar gente grande, percebo que estamos diante da geração mais preparada –e, ao mesmo tempo, da mais despreparada. Preparada do ponto de vista das habilidades, despreparada porque não sabe lidar com frustrações. Preparada porque é capaz de usar as ferramentas da tecnologia, despreparada porque despreza o esforço. Preparada porque conhece o mundo em viagens protegidas, despreparada porque desconhece a fragilidade da matéria da vida. E por tudo isso sofre, sofre muito, porque foi ensinada a acreditar que nasceu com o patrimônio da felicidade. E não foi ensinada a criar a partir da dor.
Há uma geração de classe média que estudou em bons colégios, é fluente em outras línguas,viajou para o exterior e teve acesso à cultura e à tecnologia. Uma geração que teve muito mais do que seus pais. Ao mesmo tempo, cresceu com a ilusão de que a vida é fácil. Ou que já nascem prontos – bastaria apenas que o mundo reconhecesse a sua genialidade.
Tenho me deparado com jovens que esperam ter no mercado de trabalho uma continuação de suas casas – onde o chefe seria um pai ou uma mãe complacente, que tudo concede. Foram ensinados a pensar que merecem, seja lá o que for que queiram. E quando isso não acontece – porque obviamente não acontece – sentem-se traídos, revoltam-se com a “injustiça” e boa parte se emburra e desiste.
Como esses estreantes na vida adulta foram crianças e adolescentes que ganharam tudo, sem ter de lutar por quase nada de relevante, desconhecem que a vida é construção – e para conquistar um espaço no mundo é preciso ralar muito. Com ética e honestidade – e não a cotoveladas ou aos gritos. Como seus pais não conseguiram dizer, é o mundo que anuncia a eles uma nova não lá muito animadora: viver é para os insistentes.
Por que boa parte dessa nova geração é assim? Penso que este é um questionamento importante para quem está educando uma criança ou um adolescente hoje. Nossa época tem sido marcada pela ilusão de que a felicidade é uma espécie de direito. E tenho testemunhado a angústia de muitos pais para garantir que os filhos sejam “felizes”. Pais que fazem malabarismos para dar tudo aos filhos e protegê-los de todos os perrengues – sem esperar nenhuma responsabilização nem reciprocidade.
É como se os filhos nascessem e imediatamente os pais já se tornassem devedores. Para estes, frustrar os filhos é sinônimo de fracasso pessoal. Mas é possível uma vida sem frustrações? Não é importante que os filhos compreendam como parte do processo educativo duas premissas básicas do viver, a frustração e o esforço? Ou a falta e a busca, duas faces de um mesmo movimento? Existe alguém que viva sem se confrontar dia após dia com os limites tanto de sua condição humana como de suas capacidades individuais?
Nossa classe média parece desprezar o esforço. Prefere a genialidade. O valor está no dom, naquilo que já nasce pronto. Dizer que “fulano é esforçado” é quase uma ofensa. Ter de dar duro para conquistar algo parece já vir assinalado com o carimbo de perdedor. Bacana é o cara que não estudou, passou a noite na balada e foi aprovado no vestibular de Medicina. Este atesta a excelência dos genes de seus pais. Esforçar-se é, no máximo, coisa para os filhos da classe C, que ainda precisam assegurar seu lugar no país.
Da mesma forma que supostamente seria possível construir um lugar sem esforço, existe a crença não menos fantasiosa de que é possível viver sem sofrer. De que as dores inerentes a toda vida são uma anomalia e, como percebo em muitos jovens, uma espécie de traição ao futuro que deveria estar garantido. Pais e filhos têm pagado caro pela crença de que a felicidade é um direito. E a frustração um fracasso. Talvez aí esteja uma pista para compreender a geração do “eu mereço”.
Basta andar por esse mundo para testemunhar o rosto de espanto e de mágoa de jovens ao descobrir que a vida não é como os pais tinham lhes prometido. Expressão que logo muda para o emburramento. E o pior é que sofrem terrivelmente. Porque possuem muitas habilidades e ferramentas, mas não têm o menor preparo para lidar com a dor e as decepções. Nem imaginam que viver é também ter de aceitar limitações – e que ninguém, por mais brilhante que seja, consegue tudo o que quer.
A questão, como poderia formular o filósofo Garrincha, é: “Estes pais e estes filhos combinaram com a vida que seria fácil”? É no passar dos dias que a conta não fecha e o projeto construído sobre fumaça desaparece deixando nenhum chão. Ninguém descobre que viver é complicado quando cresce ou deveria crescer – este momento é apenas quando a condição humana, frágil e falha, começa a se explicitar no confronto com os muros da realidade. Desde sempre sofremos. E mais vamos sofrer se não temos espaço nem mesmo para falar da tristeza e da confusão.
Me parece que é isso que tem acontecido em muitas famílias por aí: se a felicidade é um imperativo, o item principal do pacote completo que os pais supostamente teriam de garantir aos filhos para serem considerados bem sucedidos, como falar de dor, de medo e da sensação de se sentir desencaixado? Não há espaço para nada que seja da vida, que pertença aos espasmos de crescer duvidando de seu lugar no mundo, porque isso seria um reconhecimento da falência do projeto familiar construído sobre a ilusão da felicidade e da completude.
Quando o que não pode ser dito vira sintoma – já que ninguém está disposto a escutar, porque escutar significaria rever escolhas e reconhecer equívocos – o mais fácil é calar. E não por acaso se cala com medicamentos e cada vez mais cedo o desconforto de crianças que não se comportam segundo o manual. Assim, a família pode tocar o cotidiano sem que ninguém precise olhar de verdade para ninguém dentro de casa.
Se os filhos têm o direito de ser felizes simplesmente porque existem – e aos pais caberia garantir esse direito – que tipo de relação pais e filhos podem ter? Como seria possível estabelecer um vínculo genuíno se o sofrimento, o medo e as dúvidas estão previamente fora dele? Se a relação está construída sobre uma ilusão, só é possível fingir.
Aos filhos cabe fingir felicidade – e, como não conseguem, passam a exigir cada vez mais de tudo, especialmente coisas materiais, já que estas são as mais fáceis de alcançar – e aos pais cabe fingir ter a possibilidade de garantir a felicidade, o que sabem intimamente que é uma mentira porque a sentem na própria pele dia após dia. É pelos objetos de consumo que a novela familiar tem se desenrolado, onde os pais fazem de conta que dão o que ninguém pode dar, e os filhos simulam receber o que só eles podem buscar. E por isso logo é preciso criar uma nova demanda para manter o jogo funcionando.
O resultado disso é pais e filhos angustiados, que vão conviver uma vida inteira, mas se desconhecem. E, portanto, estão perdendo uma grande chance. Todos sofrem muito nesse teatro de desencontros anunciados. E mais sofrem porque precisam fingir que existe uma vida em que se pode tudo. E acreditar que se pode tudo é o atalho mais rápido para alcançar não a frustração que move, mas aquela que paralisa.
Quando converso com esses jovens no parapeito da vida adulta, com suas imensas possibilidades e riscos tão grandiosos quanto, percebo que precisam muito de realidade. Com tudo o que a realidade é. Sim, assumir a narrativa da própria vida é para quem tem coragem. Não é complicado porque você vai ter competidores com habilidades iguais ou superiores a sua, mas porque se tornar aquilo que se é, buscar a própria voz, é escolher um percurso pontilhado de desvios e sem nenhuma certeza de chegada. É viver com dúvidas e ter de responder pelas próprias escolhas. Mas é nesse movimento que a gente vira gente grande.
Seria muito bacana que os pais de hoje entendessem que tão importante quanto uma boa escola ou um curso de línguas ou um Ipad é dizer de vez em quando: “Te vira, meu filho. Você sempre poderá contar comigo, mas essa briga é tua”. Assim como sentar para jantar e falar da vida como ela é: “Olha, meu dia foi difícil” ou “Estou com dúvidas, estou com medo, estou confuso” ou “Não sei o que fazer, mas estou tentando descobrir”. Porque fingir que está tudo bem e que tudo pode significa dizer ao seu filho que você não confia nele nem o respeita, já que o trata como um imbecil, incapaz de compreender a matéria da existência. É tão ruim quanto ligar a TV em volume alto o suficiente para que nada que ameace o frágil equilíbrio doméstico possa ser dito.
Agora, se os pais mentiram que a felicidade é um direito e seu filho merece tudo simplesmente por existir, paciência. De nada vai adiantar choramingar ou emburrar ao descobrir que vai ter de conquistar seu espaço no mundo sem nenhuma garantia. O melhor a fazer é ter a coragem de escolher. Seja a escolha de lutar pelo seu desejo – ou para descobri-lo –, seja a de abrir mão dele. E não culpar ninguém porque eventualmente não deu certo, porque com certeza vai dar errado muitas vezes. Ou transferir para o outro a responsabilidade pela sua desistência.
Crescer é compreender que o fato de a vida ser falta não a torna menor. Sim, a vida é insuficiente. Mas é o que temos. E é melhor não perder tempo se sentindo injustiçado porque um dia ela acaba.

Publicado em 17/05/2013por Clínica Alamedas