domingo, 30 de junho de 2013

LEITURA COMPARTILHADA - EF II - O segredo do Colecionador - Ana Cristina Massa


ALUNOS DO ENSINO FUNDAMENTAL II DA EMEF PROFESSORA MARILI DIAS LERAM , GOSTARAM E INDICAM ESTA AVENTURA!


NESTE SEMESTRE FIZEMOS A LEITURA COMPARTILHADA DESTA OBRA
Quem rouba um livro não rouba apenas um volume de páginas impressas, pois pode estar roubando um importante fato da História de todos os homens, principalmente se o livro em questão for um original com mais de quinhentos anos. Pior ainda, se não for livros raros, mas antigos documentos, manuscritos, mapas… Desvendar a História é igualmente uma aventura, como desvendar uma história de mistério — melhor ainda quando ambos os caminhos se fundem em uma narrativa só: Eugênio, o Gênio, Jonas, Goma, Sofia e Isadora são os Invencíveis, sempre a esquadrinhar as ruas, os lugares, os monumentos da arquitetura histórica brasileira no Rio de Janeiro.

Desta vez (no terceiro livro da série), o quinteto encasqueta com a figura pálida do novo professor de História, agarrado a uma velha pasta. Até aí, nada de extraordinário, não fosse o fato de ele ainda não ter memorizado os números do segredo que trazia anotado em um pedaço de papel…
O detalhe não passa despercebido a G que, então, decide ficar de olho. Pronto: começam as confusões, passeios, corridas de táxi, perseguições da Biblioteca Nacional até o Jardim Botânico, numa trama que envolve, mais uma vez, o detetive Sombra, um colecionador de obras raras, um ambulante mal encarado e um ladrão especializado em livros e gravuras antigas — e um manuscrito medieval do marinheiro Álvaro Velho sobre a viagem de Vasco da Gama!

Com um texto veloz, Ana Cristina Massa desvenda fatos e postais da paisagem turística, ligando-os organicamente à novela policialesca e juvenil. Além dos livros com fundo falso, as aquisições nas feiras de antiguidade e sebos da cidade, navegações com laptop e em códigos medievais, há um tempinho reservado para a descontração, o som do DJ na festa de Gênio, a troca de pares românticos, as confissões entre os irmãos Goma e Sofia e outros conflitos sentimentais.


 

sábado, 22 de junho de 2013

Consumistas por Ivan Angelo

De quantas calças jeans você precisa?

Eu tenho três: uma índigo tradicional, que tem uns seis anos; uma bem mais antiga, de um azul desbotado pelo tempo, aguado, já puída, que faz o papel de vigilante do peso, pois é do tempo em que minha cintura se comportava melhor; e uma branca, a mais nova, de uns cinco anos, que entrou no lugar de outra igualzinha que se rasgou no joelho. São suficientes para as situações e combinações, mas surpreendo-me com uma mulher, na página de moda de um grande jornal, contando vantagem: diz que tem trinta e tantas calças jeans, e sempre acha que precisa de mais uma, quando a vê na loja. Algum detalhe torna a nova calça "necessária"; ela "precisa" daquele jeans.

Você realmente precisa de doze pares de óculos escuros? Já não é adequado dizer "óculos de sol", porque é moda usá-los dentro de shoppings e até em discotecas, na maior escuridão. Eles se tornaram algo mais do que óculos: são máscaras, aquela coisa que o Spirit dos quadrinhos botava nos olhos ou que o Fantasma botava para virar outra pessoa. Eles fazem a mágica da troca de personalidade.

De quantos celulares você precisa? Apareceu no jornal uma mulher que tem dúzias. Para quê, não fiquei sabendo, bastou-me olhar a foto da tonta com aquele mostruário de celulares, aquele despropósito. O apelo do modelo novo é irresistível para esse tipo de gente, que não suporta a ideia de estar "desatualizada" e só se considera "in", incluída, quando possui aquela coisa que acaba de ser lançada.

De quantas camisetas você precisa? Bom, o número de camisetas que as pessoas têm é incontrolável. Nem sempre é a gente que compra. Elas viraram "o" presente. São fáceis de achar, têm uso, têm graça. A gente nem compra camisetas, ganha.

E tênis, de quantos você precisa? Tenho uma amiga, nem é tão jovem, que tem dezoito pares. Minha filha chegou a ter uns doze. E ela tem uma amiga que possui 27. Não consigo entender o porquê ou o para quê. Só quem tem é que sabe as razões.

Brincos. É comum as mulheres terem trinta, quarenta, sessenta pares de brincos. Vão comprando e acumulando ao longo da vida, vão ganhando. Não conseguem passar por uma bijuteria ou joalheria sem provar diante do espelho um pequeno penduricalho nas orelhas. E compram, não resistem a três provadas.

Carros! Você precisa de mais do que um carro? Há pessoas que têm três, quatro. Como se houvesse grande diferença entre usar um e outro como condução. Para viajar, sim, o tipo faz diferença, e nesse caso poderiam comprar um para as duas funções. Preferem ostentar.

Imelda Marcos gostava de sapatos, tinha 3 000, comprados com o suor do povo filipino. Já vi foto de uma perua brasileira exibindo sua coleção de mais de duas centenas de calçados. E trinta bolsas de grife. De quantas bolsas você precisa?

É comum o consumista não conseguir escolher entre uma coisa e outra – porque escolher uma seria perder a outra – e para pôr fim à angústia leva as duas. Na infância dos consumistas faltaram ou falharam a orientação na compra e o apoio à decisão tomada. Frustrações da infância pedem compensações quando o dinheiro permite. Mas há consumistas pobres, que compram quinquilharias baratas e desnecessárias na Rua 25 de Março, enquanto as poderosas compram supérfluos caríssimos na Daslu.

Coleções não são a mesma coisa. Você coleciona bolinhas de gude, palitos de picolé, caixas de fósforos, lápis, figurinhas, rodelas de chope, rolhas, enfim, coisas que não valem nada, e coleciona coisas que chegam a valer muito, como selos. Não têm utilização prática. É diferente do consumo, de acumular bens de uso porque não consegue se controlar.

É diferente também de juntar raridades. Um apresentador de televisão tinha dezenas de relógios de pulso raros, antigos. É diferente, dizia, de ter um monte de relógios mais caros do que raros, de fabricação e uso atuais. De quantos relógios você precisa?

domingo, 16 de junho de 2013

Serendipitia

Há um antigo conto de fadas que se passa no Sri Lanka (antigo Ceilão) – quando este ainda se chamava Serendipe – uma história que fala sobre uma princesa que tinha três pretendentes ao casamento e como não estava muito disposta a se casar, passou a cada um deles uma tarefa impossível de ser realizada, se comprometendo com aquele que conseguisse cumprir a tarefa. No final, os três fracassaram e ela obteve sucesso em sua estratégia, porém, todos os pretendentes, no decorrer de seus esforços, acabaram fazendo descobertas inesperadas e afortunadas, fortuitamente.
 Surgiu daí o termo “serendipitia” que significa: descobrir coisas úteis, por acaso; encontrar aplicações de forma imprevista.
A vida nos reserva toda uma infinidade de “serendipitias”, porque nos coloca em determinadas situações em busca de certos objetivos e por fim, atingindo ou não a intenção inicial, acabamos nos defrontando com novos aprendizados, experiências e vivências, muitas vezes mais importantes e decisivas que o primeiro objetivo. Porém, para que isso ocorra, é preciso que nossa percepção esteja aberta. Que nosso ser seja capaz de perceber a riqueza dos objetivos secundários (imprevistos). Que o foco excessivo no objetivo inicial não seja ofuscante a ponto de impedir nossa evolução no rico contexto em que estamos inseridos.
Os sutis sinais que surgem, muitas vezes nos passam desapercebidos, pois estamos tão centrados em algo que perdemos a oportunidades de sentir, perceber e avaliar a riqueza do contexto à nossa volta. À medida que amadurecemos, tendemos a nos tornar mais sensíveis, atentos e perceptivos aos sinais, mas isso não está necessariamente ligado à idade, mas sim ao amadurecimento. Daí a relação com a complexidade da vida.
Dar oportunidade para o inesperado tem sido algo que por vezes tem me trazido gratas surpresas em minha atuação como professor. Devido a algo inesperado, acabo percebendo que meu plano de aula perdeu efetividade e me vejo obrigado a improvisar. Nem sempre dá certo, mas quando dá, é porque aparece algo – seja um aluno, um assunto ou uma situação – que dá início ao improviso e a riqueza e envolvimento dos envolvidos trazem muito mais resultado do que a aula planejada inicialmente, mesmo que tudo se direcione para um caminho ou conteúdo não previsto.

Fonte: Wikipedia
 

quarta-feira, 12 de junho de 2013

Para Viver Um Grande Amor- Vinicius de Moraes

Para viver um grande amor, preciso é muita concentração e muito siso, muita seriedade e pouco riso — para viver um grande amor.

Para viver um grande amor, mister é ser um homem de uma só mulher; pois ser de muitas, poxa! é de colher... — não tem nenhum valor.

Para viver um grande amor, primeiro é preciso sagrar-se cavalheiro e ser de sua dama por inteiro — seja lá como for. Há que fazer do corpo uma morada onde clausure-se a mulher amada e postar-se de fora com uma espada — para viver um grande amor.

Para viver um grande amor, vos digo, é preciso atenção como o "velho amigo", que porque é só vos quer sempre consigo para iludir o grande amor. É preciso muitíssimo cuidado com quem quer que não esteja apaixonado, pois quem não está, está sempre preparado pra chatear o grande amor.

Para viver um amor, na realidade, há que compenetrar-se da verdade de que não existe amor sem fidelidade — para viver um grande amor. Pois quem trai seu amor por vanidade é um desconhecedor da liberdade, dessa imensa, indizível liberdade que traz um só amor.

Para viver um grande amor, il faut além de fiel, ser bem conhecedor de arte culinária e de judô — para viver um grande amor.

Para viver um grande amor perfeito, não basta ser apenas bom sujeito; é preciso também ter muito peito — peito de remador. É preciso olhar sempre a bem-amada como a sua primeira namorada e sua viúva também, amortalhada no seu finado amor.

É muito necessário ter em vista um crédito de rosas no florista — muito mais, muito mais que na modista! — para aprazer ao grande amor. Pois do que o grande amor quer saber mesmo, é de amor, é de amor, de amor a esmo; depois, um tutuzinho com torresmo conta ponto a favor...

Conta ponto saber fazer coisinhas: ovos mexidos, camarões, sopinhas, molhos, strogonoffs — comidinhas para depois do amor. E o que há de melhor que ir pra cozinha e preparar com amor uma galinha com uma rica e gostosa farofinha, para o seu grande amor?

Para viver um grande amor é muito, muito importante viver sempre junto e até ser, se possível, um só defunto — pra não morrer de dor. É preciso um cuidado permanente não só com o corpo mas também com a mente, pois qualquer "baixo" seu, a amada sente — e esfria um pouco o amor. Há que ser bem cortês sem cortesia; doce e conciliador sem covardia; saber ganhar dinheiro com poesia — para viver um grande amor.

É preciso saber tomar uísque (com o mau bebedor nunca se arrisque!) e ser impermeável ao diz-que-diz-que — que não quer nada com o amor.

Mas tudo isso não adianta nada, se nesta selva oscura e desvairada não se souber achar a bem-amada — para viver um grande amor.


Texto extraído do livro "Para Viver Um Grande Amor", José Olympio Editora - Rio de Janeiro, 1984, pág. 130.
           

domingo, 2 de junho de 2013

Por uma escola leitora

CLUBE DA LEITURA EMEF PROFESSORA MARILI DIAS
A leitura é um assunto sério, de toda a escola e comunidade. E, por mais que o senso comum afirme que a juventude não goste de ler, sabemos que isso não é verdade! O que nossos jovens não gostam é de não ter a chance de escolher aquilo que querem ler. Crescer e viver no século XXI significa interagir com o texto escrito em diversos suportes, do tradicional papel até os meios digitais. O objetivo da sala de leitura nesse contexto é ampliar e qualificar as oportunidades de leitura dos jovens, estando atenta ao imenso potencial de convívio e de troca de experiências que move a juventude para aprender.

Assim, a sala de leitura é um espaço privilegiado e singular na escola: ela pode influenciar decisivamente a maneira como a comunidade escolar , sente, pensa, decide e age em relação à leitura/juventude. É de responsabilidade da sala de leitura promover o acesso e ampliação da leitura, o aprimoramento dos estudos e o desenvolvimento de atividades que fortaleçam o convívio dos alunos com leitores, histórias, livros e outros suportes textuais.

O convite é que a sua escola se torne uma escola leitora, centrada no aluno, cujo centro irradiador seja a sala de leitura! Isso quer dizer que as ações propostas devem romper com as paredes da sala de leitura e se estender para todos os espaços da escola.

 

FONTE: Instituto Ayrton Senna 2011-superAÇÃO – Projeto Sala de Leitura

sábado, 25 de maio de 2013

EU ETIQUETA -Carlos Drummond de Andrade

Em minha calça está grudado um nome
  Um nome... estranho.

 Meu blusão traz lembrete de bebida
Que jamais pus na boca, nessa vida,
Em minha camiseta, a marca de cigarro
Que não fumo, até hoje não fumei.
Minhas meias falam de produtos
Que nunca experimentei
Mas são comunicados a meus pés.
Meu tênis é proclama colorido
De alguma coisa não provada
Por este provador de longa idade.
Meu lenço, meu relógio, meu chaveiro,
Minha gravata e cinto e escova e pente,
Meu copo, minha xícara,
Minha toalha de banho e sabonete,
Meu isso, meu aquilo.
Desde a cabeça ao bico dos sapatos,
São mensagens,
Letras falantes,
Gritos visuais,
Ordens de uso, abuso, reincidências.
Costume, hábito, permência,
Indispensabilidade,
E fazem de mim homem-anúncio itinerante,
Escravo da matéria anunciada.
Estou, estou na moda.

 É duro andar na moda, ainda que a moda
Seja negar minha identidade,
Trocá-la por mil, açambarcando
Todas as marcas registradas,
Todos os logotipos do mercado.
Com que inocência demito-me de ser
Eu que antes era e me sabia
Tão diverso de outros, tão mim mesmo,
Ser pensante sentinte e solitário
Com outros seres diversos e conscientes
De sua humana, invencível condição.
Agora sou anúncio
Ora vulgar ora bizarro.
Em língua nacional ou em qualquer língua
(Qualquer principalmente.)
E nisto me comparo, tiro glória
De minha anulação.
Não sou - vê lá - anúncio contratado.
Eu é que mimosamente pago
Para anunciar, para vender
Em bares festas praias pérgulas piscinas,
E bem à vista exibo esta etiqueta
Global no corpo que desiste
De ser veste e sandália de uma essência
Tão viva, independente,
Que moda ou suborno algum a compromete.
Onde terei jogado fora
Meu gosto e capacidade de escolher,
Minhas idiossincrasias tão pessoais,

 Tão minhas que no rosto se espelhavam
E cada gesto, cada olhar
Cada vinco da roupa
Sou gravado de forma universal,
Saio da estamparia, não de casa,
Da vitrine me tiram, recolocam,
Objeto pulsante mas objeto
Que se oferece como signo dos outros
Objetos estáticos, tarifados.
Por me ostentar assim, tão orgulhoso
De ser não eu, mas artigo industrial,
Peço que meu nome retifiquem.
Já não me convém o título de homem.
Meu nome novo é Coisa.
Eu sou a Coisa, coisamente.

Que não é meu de batismo ou de cartório



 

FONTE:http://educador.brasilescola.com/estrategias-ensino/o-consumismo-na-voz-carlos-drummond-andrade.htm

segunda-feira, 20 de maio de 2013

QUADRILHA by Dalinha Catunda

Arte com papel - Professora Suse Mendes
 Maria bonita
vestida de chita
dançava São João.
Em meio a quadrilha,
seguia a trilha
do seu coração.
Coração aventureiro
gostava de Pedro,
e queria João.
João tava difícil,
não foi sacrifício
pegar noutra mão
Viva S. Pedro!
Viva S. João!
Maria era bonita!
E com laço de fita
virou perdição.
Com cabelos trançados,
e seu requebrado,
chamava atenção.
Dançando faceira
esqueceu-se de Pedro,
e também de João.
Nos braços de Antônio
perdeu-se nos sonhos,
ardeu-se em paixão.
Foi aí que Maria
perdeu sua fita
rolando no chão.
Maria aflita
sem laço de fita
engrossou a cintura
e fugiu do sertão


domingo, 12 de maio de 2013

A PIPOCA - RUBEM ALVES


...É que a transformação do milho duro em pipoca macia é símbolo da grande transformação pela qual devem passar os homens para que eles venham a ser o que devem ser. O milho da pipoca não é o que deve ser. Ele deve ser aquilo que acontece depois do estouro. O milho da pipoca somos nós: duros, quebra-dentes, impróprios para comer, pelo poder do fogo podemos, repentinamente, nos transformar em outra coisa — voltar a ser crianças! Mas a transformação só acontece pelo poder do fogo.

Milho de pipoca que não passa pelo fogo continua a ser milho de pipoca, para sempre.

Assim acontece com a gente. As grandes transformações acontecem quando passamos pelo fogo. Quem não passa pelo fogo fica do mesmo jeito, a vida inteira. São pessoas de uma mesmice e dureza assombrosa. Só que elas não percebem. Acham que o seu jeito de ser é o melhor jeito de ser.

Mas, de repente, vem o fogo. O fogo é quando a vida nos lança numa situação que nunca imaginamos. Dor. Pode ser fogo de fora: perder um amor, perder um filho, ficar doente, perder um emprego, ficar pobre. Pode ser fogo de dentro. Pânico, medo, ansiedade, depressão — sofrimentos cujas causas ignoramos. Há sempre o recurso aos remédios. Apagar o fogo. Sem fogo o sofrimento diminui. E com isso a possibilidade da grande transformação.

Imagino que a pobre pipoca, fechada dentro da panela, lá dentro ficando cada vez mais quente, pense que sua hora chegou: vai morrer. De dentro de sua casca dura, fechada em si mesma, ela não pode imaginar destino diferente. Não pode imaginar a transformação que está sendo preparada. A pipoca não imagina aquilo de que ela é capaz. Aí, sem aviso prévio, pelo poder do fogo, a grande transformação acontece: PUF!! — e ela aparece como outra coisa, completamente diferente, que ela mesma nunca havia sonhado. É a lagarta rastejante e feia que surge do casulo como borboleta voante.

Na simbologia cristã o milagre do milho de pipoca está representado pela morte e ressurreição de Cristo: a ressurreição é o estouro do milho de pipoca. É preciso deixar de ser de um jeito para ser de outro.

"Morre e transforma-te!" — dizia Goethe.

Em Minas, todo mundo sabe o que é piruá. Falando sobre os piruás com os paulistas, descobri que eles ignoram o que seja. Alguns, inclusive, acharam que era gozação minha, que piruá é palavra inexistente. Cheguei a ser forçado a me valer do Aurélio para confirmar o meu conhecimento da língua. Piruá é o milho de pipoca que se recusa a estourar.

Meu amigo William, extraordinário professor pesquisador da Unicamp, especializou-se em milhos, e desvendou cientificamente o assombro do estouro da pipoca. Com certeza ele tem uma explicação científica para os piruás. Mas, no mundo da poesia, as explicações científicas não valem.

Por exemplo: em Minas "piruá" é o nome que se dá às mulheres que não conseguiram casar. Minha prima, passada dos quarenta, lamentava: "Fiquei piruá!" Mas acho que o poder metafórico dos piruás é maior.

Piruás são aquelas pessoas que, por mais que o fogo esquente, se recusam a mudar. Elas acham que não pode existir coisa mais maravilhosa do que o jeito delas serem.

Ignoram o dito de Jesus: "Quem preservar a sua vida perdê-la-á". A sua presunção e o seu medo são a dura casca do milho que não estoura. O destino delas é triste. Vão ficar duras a vida inteira. Não vão se transformar na flor branca macia. Não vão dar alegria para ninguém. Terminado o estouro alegre da pipoca, no fundo da panela ficam os piruás que não servem para nada. Seu destino é o lixo.

Quanto às pipocas que estouraram, são adultos que voltaram a ser crianças e que sabem que a vida é uma grande brincadeira...

"Nunca imaginei que chegaria um dia em que a pipoca iria me fazer sonhar. Pois foi precisamente isso que aconteceu".


Texto extraído do jornal Correio Popular, de Campinas (SP), no qual o escritor mantém coluna bissemanal.

sexta-feira, 10 de maio de 2013

CRÔNICA DO DIA DAS MÃES!

      Uma mulher foi renovar a sua carteira de motorista.
Pediram-lhe para informar qual era a sua profissão.
Ela hesitou, sem saber bem como se classificar.
"O que eu pergunto é se tem um trabalho", insistiu o funcionário.
"Claro que tenho um trabalho", exclamou.
"Sou mãe".
"Nós não consideramos "mãe" um trabalho.
Vou colocar"Dona de casa", disse o funcionário friamente.
Não voltei a lembrar-me desta história até o dia em que me encontrei em situação idêntica.
A pessoa que me atendeu era obviamente uma funcionária de carreira, segura, eficiente, dona da situação, perguntou:
-Qual é a sua ocupação?
Não sei o que me fez dizer isto,as palavras simplesmente saltaram-me da boca para fora

-"Sou Doutora em Desenvolvimento Infantil e em Relações Humanas."

A funcionária fez uma pausa, a caneta de tinta permanente a apontar para o ar e olhou-me como quem diz que não ouviu bem. Eu repeti pausadamente, enfatizando as palavras mais significativas.Então reparei, maravilhada, como ela ia escrevendo, com tinta preta, no questionário oficial.

Posso perguntar, disse-me ela com novo interesse,o que faz exatamente?

Calmamente, sem qualquer traço de agitação na voz,ouvi-me responder:

-"Desenvolvo um programa a longo prazo , em
laboratório e no campo experimental . Sou responsável por uma equipe, e já recebi
quatro projetos .

Trabalho em regime de dedicação exclusiva (alguma mulher discorda???),o grau de exigência é em nível de 14 horas por dia (para não dizer 24 horas).

Houve um crescente tom de respeito na voz da funcionária que acabou de preencher o formulário, se levantou e, pessoalmente me abriu a porta. Quando cheguei em casa, com o título da minha carteira erguido, fui recebida pela minha equipe: uma com 13 anos, outra com 7 e outra com 3 anos. Do andar de cima, pude ouvir o meu novo experimento (um bebê de seis
meses), testando uma nova tonalidade de voz.Senti-me triunfante!

Maternidade... que carreira gloriosa! Assim, as avós deviam ser chamadas
"Doutora-Sênior em Desenvolvimento Infantil e em Relações Humanas".
As bisavós:
"Doutora- Executiva- Sênior".
E as tias:
"Doutora - Assistente".


Uma homenagem carinhosa a todas as mulheres, mães, esposas, amigas, companheiras.

Doutoras na Arte de fazer a vida melhor !!!

sábado, 4 de maio de 2013

MODA???!!!!!


A moda é um conceito estranhíssimo!!
Alguém decide que agora se deve usar a roupa X ou Y, a cor W ou Z e todos passam a vestir-se de igual ou, numa versão menos radical, passam todos a vestir-se dentro de uma mesma corrente.
Onde estará a origem deste estranho comportamento?
Será que isto decorre do tribalismo inicial quando o homem sentia necessidade de pertencer e de se identificar com o grupo ou clã, para se sentir protegido e poder sobreviver? Nessa altura compreendia-se que para evidenciar uma maior coesão, se vestissem todos de igual e se pintassem da mesma cor!
Mas nos dias de hoje? A necessidade de sobrevivência e de proteção do clã já não corre esse tipo de riscos e, portanto não deve ser por isso.
Será que uma falta de gosto generalizada, resultante de deficiente sensibilidade e educação estética, leva uma certa maioria a adotar os padrões de uma minoria pseudo-iluminada? Também não me convence esta!
Será então unicamente uma vontade de variar? O resultado de nos cansarmos frequentemente da nossa aparência e procurarmos estereótipos que nos alimentem ilusões de mudança e renovação?
Se assim fosse a moda não se repetiria ciclicamente como acontece e além disso, também não seria aceita a padronização generalizada que anula a individualidade....
...Tenho uma grande curiosidade em saber quem, na realidade, define a moda. Que personagem fantástica é capaz de decidir uma tendência e pôr o mundo inteiro a vestir-se de acordo com as regras por si determinadas. Vejo essa personagem ditatorial como uma nova versão de Hitler, mas neste caso, um Hitler orientado para futilidades e não para a política e para a guerra (pensando melhor, não existem maiores futilidades que a guerra e a política).
Se analisarmos bem esta questão este personagem é potencialmente bastante mais perigoso que o patológico fascista, uma vez que este convenceu apenas um país e um povo, enquanto que o nosso “guru da moda” consegue convencer e levar o mundo inteiro atrás, independentemente de raça ou de credo, conseguindo até que pessoas com alguma inteligência e bom senso se vistam de forma completamente ridícula.

sábado, 27 de abril de 2013

Tecnologia e obsolescência planejada

Caí do mundo e não sei como voltar-Original de Marciano Durán, atribuído a Eduardo Galeano

O que acontece comigo é que não consigo andar pelo mundo pegando coisas e trocando-as pelo modelo seguinte só por que alguém adicionou uma nova função ou a diminuiu um pouco…
Não faz muito, com minha mulher, lavávamos as fraldas dos filhos, pendurávamos na corda junto com outras roupinhas, passávamos, dobrávamos e as preparávamos para que voltassem a serem sujadas.
E eles, nossos nenês, apenas cresceram e tiveram seus próprios filhos se encarregaram de atirar tudo fora, incluindo as fraldas. Se entregaram, inescrupulosamente, às descartáveis!
Sim, já sei. À nossa geração sempre foi difícil jogar fora. Nem os defeituosos conseguíamos descartar! E, assim, andamos pelas ruas, guardando o muco no lenço de tecido, de bolso.
Nããão! Eu não digo que isto era melhor. O que digo é que, em algum momento, me distraí, caí do mundo e, agora, não sei por onde se volta.
O mais provável é que o de agora esteja bem, isto não discuto. O que acontece é que não consigo trocar os instrumentos musicais uma vez por ano, o celular a cada três meses ou o monitor do computador por todas as novidades.
Guardo os copos descartáveis! Lavo as luvas de látex que eram para usar uma só vez.
Os talheres de plástico convivem com os de aço inoxidável na gaveta dos talheres! É que venho de um tempo em que as coisas eram compradas para toda a vida!
É mais! Se compravam para a vida dos que vinham depois! A gente herdava relógios de parede, jogos de copas, vasilhas e até bacias de louça.
E acontece que em nosso, nem tão longo matrimônio, tivemos mais cozinhas do que as que existiam em todo o bairro em minha infância, e trocamos de refrigerador três vezes.
Nos estão incomodando! Eu descobri! Fazem de propósito! Tudo se lasca, se gasta, se oxida, se quebra ou se consome em pouco tempo para que possamos trocar.
Nada se arruma. O obsoleto é de fábrica.
Aonde estão os sapateiros fazendo meia-solas dos tênis Nike? Alguém viu algum colchoeiro encordoando colchões, casa por casa? Quem arruma as facas elétricas? o afiador ou o eletricista? Haverá teflon para os funileiros ou assentos de aviões para os talabarteiros?
Tudo se joga fora, tudo se descarta e, entretanto, produzimos mais e mais e mais lixo. Outro dia, li que se produziu mais lixo nos últimos 40 anos que em toda a história da humanidade.
Quem tem menos de 30 anos não vai acreditar: quando eu era pequeno, pela minha casa não passava o caminhão que recolhe o lixo! Eu juro! E tenho menos de … anos! Todos os descartáveis eram orgânicos e iam parar no galinheiro, aos patos ou aos coelhos (e não estou falando do século XVII). Não existia o plástico, nem o nylon. A borracha só a víamos nas rodas dos autos e, as que não estavam rodando, as queimávamos na Festa de São João. Os poucos descartáveis que não eram comidos pelos animais, serviam de adubo ou se queimava..
Desse tempo venho eu.  E não que tenha sido melhor…. É que não é fácil para uma pobre pessoa, que educaram com “guarde e guarde que alguma vez pode servir para alguma coisa”, mudar para o “compre e jogue fora que já vem um novo modelo”.
Troca-se de carro a cada 3 anos, no máximo, por que, caso contrário, és um pobretão. Ainda que o carro que tenhas esteja em bom estado… E precisamos viver endividados, eternamente, para pagar o novo!!! Mas… por amor de Deus!
Minha cabeça não resiste tanto. Agora, meus parentes e os filhos de meus amigos não só trocam de celular uma vez por semana, como, além disto, trocam o número, o endereço eletrônico e, até, o endereço real.
E a mim que me prepararam para viver com o mesmo número, a mesma mulher e o mesmo nome (e vá que era um nome para trocar). Me educaram para guardar tudo. Tuuuudo! O que servia e o que não servia. Por que, algum dia, as coisas poderiam voltar a servir.
Acreditávamos em tudo. Sim, já sei, tivemos um grande problema: nunca nos explicaram que coisas poderiam servir e que coisas não. E no afã de guardar (por que éramos de acreditar), guardávamos até o umbigo de nosso primeiro filho, o dente do segundo, os cadernos do jardim de infância e não sei como não guardamos o primeiro cocô.
Como querem que entenda a essa gente que se descarta de seu celular a poucos meses de o comprar? Será que quando as coisas são conseguidas tão facilmente, não se valorizam e se tornam descartáveis com a mesma facilidade com que foram conseguidas?
Em casa tínhamos um móvel com quatro gavetas. A primeira gaveta era para as toalhas de mesa e os panos de prato, a segunda para os talheres e a terceira e a quarta para tudo o que não fosse toalha ou talheres. E guardávamos…
Como guardávamos!! Tuuuudo!!! Guardávamos as tampinhas dos refrescos!! Como, para quê?  Fazíamos limpadores de calçadas, para colocar diante da porta para tirar o barro. Dobradas e enganchadas numa corda, se tornavam cortinas para os bares. Ao fim das aulas, lhes tirávamos a cortiça, as martelávamos e as pregávamos em uma tabuinha para fazer instrumentos para a festa de fim de ano da escola.
Tuuudo guardávamos! Enquanto o mundo espremia o cérebro para inventar acendedores descartáveis ao término de seu tempo, inventávamos a recarga para acendedores descartáveis. E as giletes, até partidas ao meio, se transformavam em apontadores por todo o tempo escolar. E nossas gavetas guardavam as chavezinhas das latas de sardinhas ou de corned-beef, na possibilidade de que alguma lata viesse sem sua chave.
E as pilhas! As pilhas das primeiras Spica passavam do congelador ao telhado da casa. Por que não sabíamos bem se se devia dar calor ou frio para que durassem um pouco mais. Não nos resignávamos que terminasse sua vida útil, não podíamos acreditar que algo vivesse menos que um jasmim. As coisas não eram descartáveis. Eram guardáveis.
 Os jornais!!! Serviam para tudo: para servir de forro para as botas de borracha, para por no piso nos dias de chuva e por sobre todas as coisa para enrolar.
Às vezes sabíamos alguma notícia lendo o jornal tirado de um pedaço de carne!!! E guardávamos o papel de alumínio dos chocolates e dos cigarros para fazer guias de enfeites de natal, e as páginas dos almanaques para fazer quadros, e os conta-gotas dos remédios para algum medicamento que não o trouxesse, e os fósforos usados por que podíamos acender uma boca de fogão (Volcán era a marca de um fogão que funcionava com gás de querosene) desde outra que estivesse acesa, e as caixas de sapatos se transformavam nos primeiros álbuns de fotos e os baralhos se reutilizavam, mesmo que faltasse alguma carta, com a inscrição a mão em um valete de espada que dizia “este é um 4 de paus”.
As gavetas guardavam pedaços esquerdos de prendedores de roupa e o ganchinho de metal. Ao tempo esperavam somente pedaços direitos que esperavam a sua outra metade, para voltar outra vez a ser um prendedor completo.
Eu sei o que nos acontecia: nos custava muito declarar a morte de nossos objetos. Assim como hoje as novas gerações decidem matá-los tão-logo aparentem deixar de ser úteis, aqueles tempos eram de não se declarar nada morto: nem a Walt Disney!!!
E quando nos venderam sorvetes em copinhos, cuja tampa se convertia em base, e nos disseram: Comam o sorvete e depois joguem o copinho fora, nós dizíamos que sim, mas, imagina que a tirávamos fora!!! As colocávamos a viver na estante dos copos e das taças. As latas de ervilhas e de pêssegos se transformavam em vasos e até telefones. As primeiras garrafas de plástico se transformaram em enfeites de duvidosa beleza. As caixas de ovos se converteram em depósitos de aquarelas, as tampas de garrafões em cinzeiros, as primeiras latas de cerveja em porta-lápis e as cortiças esperaram encontrar-se com uma garrafa.
E me mordo para não fazer um paralelo entre os valores que se descartam e os que preservávamos. Ah!!! Não vou fazer!!!
Morro por dizer que hoje não só os eletrodomésticos são descartáveis; também o matrimônio e até a amizade são descartáveis. Mas não cometerei a imprudência de comparar objetos com pessoas.
Me mordo para não falar da identidade que se vai perdendo, da memória coletiva que se vai descartando, do passado efêmero. Não vou fazer.
Não vou misturar os temas, não vou dizer que ao eterno tornaram caduco e ao caduco fizeram eterno.
Não vou dizer que aos velhos se declara a morte apenas começam a falhar em suas funções, que aos cônjuges se trocam por modelos mais novos, que as pessoas a que lhes falta alguma função se discrimina o que se valoriza aos mais bonitos, com brilhos, com brilhantina no cabelo e glamour.
Esta só é uma crônica que fala de fraldas e de celulares. Do contrário, se misturariam as coisas, teria que pensar seriamente em entregar à bruxa, como parte do pagamento de uma senhora com menos quilômetros e alguma função nova. Mas, como sou lento para transitar este mundo da reposição e corro o risco de que a bruxa me ganhe a mão e seja eu o entregue…

domingo, 21 de abril de 2013

A CAOLHA – Julia Lopes de Almeida

A caolha era uma mulher magra, alta, macilenta, peito fundo, busto arqueado, braços compridos, delgados, largos nos cotovelos, grossos nos pulsos; mãos grandes, ossudas, estragadas pelo reumatismo e pelo trabalho; unhas grossas, chatas e cinzentas, cabelo crespo, de uma cor indecisa entre o branco sujo e o louro grisalho, desse cabelo cujo contato parece dever ser áspero e espinhento; boca descaída, numa expressão de desprezo, pescoço longo, engelhado, como o pescoço dos urubus; dentes falhos e cariados.

O seu aspecto infundia terror às crianças e repulsão aos adultos; não tanto pela sua altura e extraordinária magreza, mas porque a desgraçada tinha um defeito horrível: haviam lhe extraído o olho esquerdo; a pálpebra descera mirrada, deixando, contudo, junto ao lacrimal, uma fístula continuamente porejante.

Era essa pinta amarela sobre o fundo denegrido da olheira, era essa destilação incessante de pus que a tornava repulsiva aos olhos de toda gente.

Morava numa casa pequena, paga pelo filho único, operário numa fábrica de alfaiate; ela lavava a roupa para os hospitais e dava conta de todo o serviço da casa inclusive cozinha. O filho, enquanto era pequeno, comia os pobres jantares feitos por ela, às vezes até no mesmo prato; à proporção que ia crescendo, ia-se a pouco e pouco manifestando na fisionomia a repugnância por essa comida; até que um dia, tendo já um ordenadozinho, declarou à mãe que, por conveniência do negócio, passava a comer fora...

Ela fingiu não perceber a verdade, e resignou-se.

Daquele filho vinha-lhe todo o bem e todo o mal.

Que lhe importava o desprezo dos outros, se o seu filho adorado lhe pagasse com um beijo todas as amarguras da existência?

Um beijo dele era melhor que um dia de sol, era a suprema carícia para o triste coração de mãe! Mas... os beijos foram escasseando também, com o crescimento do Antonico! Em criança ele apertava-a nos braços e enchia-lhe a cara de beijos; depois, passou a beijá-la só na face direita, aquela onde não havia vestígios de doença; agora, limitava-se a beijar-lhe a mão!

Ela compreendia tudo e calava-se.

O filho não sofria menos.

Quando em criança entrou para a escola pública da freguesia, começaram logo os colegas, que o viam ir e vir com a mãe, a chamá-lo - o filho da caolha.

Aquilo exasperava-o; respondia sempre:

- Eu tenho nome!

Os outros riam e chacoteavam-no; ele se queixava aos mestres, os mestres ralhavam com os discípulos, chegavam mesmo a castigá-los - mas a alcunha pegou. Já não era só na escola que o chamavam assim.

Na rua, muitas vezes, ele ouvia de uma ou outra janela dizerem: o filho da caolha! Lá vai o filho da caolha! Lá vem o filho da caolha!

Eram as irmãs dos colegas, meninas novas, inocentes e que, industriadas pelos irmãos, feriam o coração do pobre Antonico cada vez que o viam passar!

As quitandeiras, onde iam comprar as goiabas ou as bananas para o lanche, aprenderam depressa a denominá-lo como os outros, e, muitas vezes, afastando os pequenos que se aglomeravam ao redor delas, diziam, estendendo uma mancheia de araçás, com piedade e simpatia:

- Taí, isso é para o filho da caolha!

O Antonico preferia não receber o presente a ouvi-lo acompanhar de tais palavras; tanto mais que os outros, com inveja, rompiam a gritar, cantando em coro, num estribilho já combinado:

- Filho da caolha, filho da caolha!

O Antonico pediu à mãe que não o fosse buscar à escola; e muito vermelho, contou-lhe a causa; sempre que o viam aparecer à porta do colégio os companheiros murmuravam injúrias, piscavam os olhos para o Antonico e faziam caretas de náuseas.

A caolha suspirou e nunca mais foi buscar o filho.

Aos onze anos o Antonico pediu para sair da escola: levava a brigar com os condiscípulos, que o intrigavam e malqueriam. Pediu para entrar para uma oficina de marceneiro. Mas na oficina de marceneiro aprenderam depressa a chamá-lo - o filho da caolha, a humilhá-lo, como no colégio.

Além de tudo, o serviço era pesado e ele começou a ter vertigens e desmaios. Arranjou então um lugar de caixeiro de venda: os seus colegas agruparam-se à porta, insultando-o, e o vendeiro achou prudente mandar o caixeiro embora, tanto que a rapaziada ia-lhe dando cabo do feijão e do arroz expostos à porta nos sacos abertos! Era uma contínua saraivada de cereais sobre o pobre Antonico!

Depois disso passou um tempo em casa, ocioso, magro, amarelo, deitado pelos cantos, dormindo às moscas, sempre zangado e sempre bocejante! Evitava sair de dia e nunca, mas nunca, acompanhava a mãe; esta poupava-o: tinha medo que o rapaz, num dos desmaios, lhe morresse nos braços, e por isso nem sequer o repreendia! Aos dezesseis anos, vendo-o mais forte, pediu e obteve-lhe, a caolha, um lugar numa oficina de alfaiate. A infeliz mulher contou ao mestre toda a história do filho e suplicou-lhe que não deixasse os aprendizes humilhá-lo; que os fizesse terem caridade!

Antonico encontrou na oficina uma certa reserva e silêncio da parte dos companheiros; quando o mestre dizia: sr. Antonico, ele percebia um sorriso mal oculto nos lábios dos oficiais; mas a pouco e pouco essa suspeita, ou esse sorriso, se foi desvanecendo, até que principiou a sentir-se bem ali.

Decorreram alguns anos e chegou a vez de Antonico se apaixonar. Até aí, numa ou outra pretensão de namoro que ele tivera, encontrara sempre uma resistência que o desanimava, e que o fazia retroceder sem grandes mágoas. Agora, porém, a coisa era diversa: ele amava! Amava como um louco a linda moreninha da esquina fronteira, uma rapariguinha adorável, de olhos negros como veludos e boca fresca como um botão de rosa. O Antonico voltou a ser assíduo em casa e expandia-se mais carinhosamente com a mãe; um dia, em que viu os olhos da morena fixarem os seus, entrou como um louco no quarto da caolha e beijou-a mesmo na face esquerda, num transbordamento de esquecida ternura!

Aquele beijo foi para a infeliz uma inundação de júbilo! Tornara a encontrar o seu querido filho! Pôs-se a cantar toda a tarde, e nessa noite, ao adormecer, dizia consigo:

- Sou muito feliz... o meu filho é um anjo!

Entretanto, o Antonico escrevia, num papel fino, a sua declaração de amor à vizinha. No dia seguinte mandou-lhe cedo a carta. A resposta fez-se esperar. Durante muitos dias Antonico perdia-se em amarguradas conjecturas.

Ao princípio pensava: - É o pudor.

Depois começou a desconfiar de outra causa; por fim recebeu uma carta em que a bela moreninha confessava consentir em ser sua mulher, se ele se separasse completamente da mãe! Vinham explicações confusas, mal alinhavadas: lembrava a mudança de bairro; ele ali era muito conhecido por filho da caolha, e bem compreendia que ela não se poderia sujeitar a ser alcunhada em breve de - nora da caolha, ou coisa semelhante!

O Antonico chorou! Não podia crer que a sua casta e gentil moreninha tivesse pensamentos tão práticos!

Depois o seu rancor se voltou para a mãe.

Ela era a causadora de toda a sua desgraça! Aquela mulher perturbara a sua infância, quebrara-lhe todas as carreiras, e agora o seu mais brilhante sonho de futuro sumia-se diante dela! Lamentava-se por ter nascido de mulher tão feia, e resolveu procurar meio de separar-se dela; iria considerar-se humilhado continuando sob o mesmo teto; havia de protegê-la de longe, vindo de vez em quando vê-la à noite, furtivamente...

Salvava assim a responsabilidade do protetor e, ao mesmo tempo, consagraria à sua amada a felicidade que lhe devia em troca do seu consentimento e amor...

Passou um dia terrível; à noite, voltando para casa levava o seu projeto e a decisão de o expor à mãe.

A velha, agachada à porta do quintal, lavava umas panelas com um trapo engordurado. O Antonico pensou: "Ao dizer a verdade eu havia de sujeitar minha mulher a viver em companhia de... uma tal criatura?" Estas últimas palavras foram arrastadas pelo seu espírito com verdadeira dor. A caolha levantou para ele o rosto, e o Antonico, vendo-lhe o pus na face, disse:
- Limpe a cara, mãe...

Ela sumiu a cabeça no avental; ele continuou:

- Afinal, nunca me explicou bem a que é devido esse defeito!

- Foi uma doença, - respondeu sufocadamente a mãe - é melhor não lembrar isso!

- E é sempre a sua resposta: é melhor não lembrar isso! Por quê?

- Porque não vale a pena; nada se remedeia...

- Bem! Agora escute: trago-lhe uma novidade. O patrão exige que eu vá dormir na vizinhança da loja... já aluguei um quarto; a senhora fica aqui e eu virei todos os dias saber da sua saúde ou se tem necessidade de alguma coisa... É por força maior; não temos remédio senão sujeitar-nos!...

Ele, magrinho, curvado pelo hábito de costurar sobre os joelhos, delgado e amarelo como todos os rapazes criados à sombra das oficinas, onde o trabalho começa cedo e o serão acaba tarde, tinha lançado naquelas palavras toda a sua energia, e espreitava agora a mãe com um olhar desconfiado e medroso.

A caolha se levantou e, fixando o filho com uma expressão terrível, respondeu com doloroso desdém:

- Embusteiro! O que você tem é vergonha de ser meu filho! Saia! Que eu também já sinto vergonha de ser mãe de semelhante ingrato!

O rapaz saiu cabisbaixo, humilde, surpreso da atitude que assumira a mãe, até então sempre paciente e cordata; ia com medo, maquinalmente, obedecendo à ordem que tão feroz e imperativamente lhe dera a caolha.

Ela o acompanhou, fechou com estrondo a porta, e vendo-se só, encostou-se cabaleante à parede do corredor e desabafou em soluços.
O Antonico passou uma tarde e uma noite de angústia.

Na manhã seguinte o seu primeiro desejo foi voltar à casa; mas não teve coragem; via o rosto colérico da mãe, faces contraídas, lábios adelgaçados pelo ódio, narinas dilatadas, o olho direito saliente, a penetrar-lhe até o fundo do coração, o olho esquerdo arrepanhado, murcho - murcho e sujo de pus; via a sua atitude altiva, o seu dedo ossudo, de falanges salientes, apontando-lhe com energia a porta da rua; sentia-lhe ainda o som cavernoso da voz, e o grande fôlego que ela tomara para dizer as verdadeiras e amargas palavras que lhe atirara no rosto; via toda a cena da véspera e não se animava a arrostar com o perigo de outra semelhante.

Providencialmente, lembrou-se da madrinha, única amiga da caolha, mas que, entretanto, raramente a procurava.

Foi pedir-lhe que interviesse, e contou-lhe sinceramente tudo o que houvera.

A madrinha escutou-o comovida; depois disse:

- Eu previa isso mesmo, quando aconselhava tua mãe a que te dissesse a verdade inteira; ela não quis, aí está!

- Que verdade, madrinha?

Encontraram a caolha a tirar umas nódoas do fraque do filho - queria mandar-lhe a roupa limpinha. A infeliz se arrependera das palavras que dissera e tinha passado a noite à janela, esperando que o Antonico voltasse ou passasse apenas... Via o porvir negro e vazio e já se queixava de si! Quando a amiga e o filho entraram, ela ficou imóvel: a surpresa e a alegria amarraram-lhe toda a ação.

A madrinha do Antonico começou logo:

- O teu rapaz foi suplicar-me que te viesse pedir perdão pelo que houve aqui ontem e eu aproveito a ocasião para, à tua vista, contar-lhe o que já deverias ter-lhe dito!

- Cala-te! - murmurou com voz apagada a caolha.

- Não me calo! Essa pieguice é que te tem prejudicado! Olha, rapaz! Quem cegou a tua mãe foste tu!

O afilhado tornou-se lívido; e ela concluiu:

- Ah, não tiveste culpa! Eras muito pequeno quando, um dia, ao almoço, levantaste na mãozinha um garfo; ela estava distraída, e antes que eu pudesse evitar a catástrofe, tu o enterraste pelo olho esquerdo! Ainda tenho no ouvido o grito de dor que ela deu!

O Antonico caiu pesadamente de bruços, com um desmaio; a mãe acercou-se rapidamente dele, murmurando trêmula:

- Pobre filho! Vês? Era por isto que eu não queria dizer nada!

Fonte: www.contos-web.com.br

 

Uma noite no paraíso - Sylvia Manzano


Certa vez, dois amigos inseparáveis fizeram o seguinte juramento: aquele que casasse primeiro chamaria o outro para padrinho, mesmo que esse outro estivesse no fim do mundo.
Pois bem: um dos amigos morre e o outro, que estava noivo, não sabendo o que fazer, vai pedir conselhos a seu confessor. O pároco assegura que a palavra deve ser mantida. Então o noivo vai até o túmulo do amigo convidá-lo para o casamento.



O morto aceita o convite de muito bom grado. No dia da cerimônia, não diz uma palavra sobre o que vira no outro mundo. No final do banquete ele fala:


- Amigo, como lhe fiz este favor, você agora deve me acompanhar um pouquinho até minha morada.
O recém-casado, não resistindo à curiosidade, pergunta como era a vida do outro lado.
O morto, fazendo um pouco de suspense, responde dessa forma:


- Se quiser saber, venha também ao paraíso.


O outro concorda. O túmulo se abre e o vivo segue o morto.


A primeira coisa que vê é um lindo palácio de cristal, onde os anjos tocavam para os beatos dançarem e São Pedro, muito feliz, dedilhava seu contrabaixo. Mais adiante, o amigo lhe apresenta nova maravilha: um jardim onde as árvores, em vez de folhas, tinham pássaros de todas as cores, que cantavam.


- Vamos em frente - diz o morto ao amigo, que fica cada vez mais deslumbrado. - Agora vou levá-lo para ver uma estrela.


O recém-casado percebe que não se cansaria nunca de admirar as estrelas, os rios, que em vez de água eram de vinho, e a terra, que era de queijo.


De repente o noivo cai em si, lembra-se da noiva que ficara a esperá-lo e pede:
- Compadre, preciso voltar para casa, minha esposa deve estar preocupada.


- Como preferir.


Assim dizendo, o morto o acompanha até o túmulo, sumindo logo a seguir.
Ao sair do túmulo, o vivo fica assombrado com o que vê ao seu redor: no lugar daquelas casinhas de pedra meio improvisadas há palácios, bondes, automóveis; as pessoas todas vestidas de modo diferente. Para se certificar, pergunta o nome da cidade a um velhinho que por ali passava.
- Sim, é esse o nome desta cidade.


No entanto, ao chegar à igreja, é atendido por um bispo muito importante que, consultando os arquivos existentes ali, descobre que trezentos anos atrás um noivo havia acompanhado o padrinho ao túmulo e não tinha voltado nunca mais.



(Transcrito de A dama pé de cabra e outras histórias. São Paulo: Paulinas, 1994.)