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quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

Chegou o Verão! Luís Fernando Veríssimo

Verão também é sinônimo de pouca roupa e muito chifre, pouca cintura
e muita gordura, pouco trabalho e muita micose.

Verão é picolé de Kisuco no palito reciclado, é milho cozido na água
da torneira, é coco verde aberto pra comer a gosminha branca.


Verão é prisão de ventre de uma semana e pé inchado que não entra no
tênis.

Mas o principal ponto do verão é.... A praia!

Ah, como é bela a praia.

Os cachorros fazem cocô e as crianças pegam pra fazer coleção.

Os casais jogam frescobol e acertam a bolinha na cabeça das véias.

Os jovens de jet ski atropelam os surfistas, que por sua vez, miram a
prancha pra abrir a cabeça dos banhistas.

O melhor programa pra quem vai à praia é chegar bem cedo, antes do
sorveteiro, quando o sol ainda está fraco e as famílias estão
chegando.

Muito bonito ver aquelas pessoas carregando vinte cadeiras, três
geladeiras de isopor, cinco guarda-sóis, raquete, frango, farofa,
toalha, bola, balde, chapéu e prancha, acreditando que estão de
férias.

Em menos de cinqüenta minutos, todos já estão instalados, besuntados
e prontos pra enterrar a avó na areia.

E as crianças? Ah, que gracinhas! Os bebês chorando de desidratação,
as crianças pequenas se socando por uma conchinha do mar, os
adolescentes ouvindo walkman enquanto dormem.

As mulheres também têm muita diversão na praia, como buscar o filho
afogado e caminhar vinte quilômetros pra encontrar o outro pé do
chinelo.

Já os homens ficam com as tarefas mais chatas, como furar a areia pra
fincar o cabo do guarda-sol.

É mais fácil achar petróleo do que conseguir fazer o guarda-sol ficar
em pé.

Mas tudo isso não conta, diante da alegria, da felicidade, da
maravilha que é entrar no mar!

Aquela água tão cristalina, que dá pra ver os cardumes de latinha de
cerveja no fundo.

Aquela sensação de boiar na salmoura como um pepino em conserva.

Depois de um belo banho de mar, com o rego cheio de sal e a periquita
cheia de areia, vem àquela vontade de fritar na chapa.

A gente abre a esteira velha, com o cheiro de velório de bode, bota o
chapéu, os óculos escuros e puxa um ronco bacaninha.

Isso é paz, isso é amor, isso é o absurdo do calor!!!!!

Mas, claro, tudo tem seu lado bom.

E à noite o sol vai embora.

Todo mundo volta pra casa tostado e vermelho como mortadela, toma
banho e deixa o sabonete cheio de areia pro próximo.

O shampoo acaba e a gente acaba lavando a cabeça com qualquer coisa,
desde creme de barbear até desinfetante de privada.

As toalhas, com aquele cheirinho de mofo que só a casa da praia
oferece.

Aí, uma bela macarronada pra entupir o bucho e uma dormidinha na rede
pra adquirir um bom torcicolo e ralar as costas queimadas.

O dia termina com uma boa rodada de tranca e uma briga em família.

Todo mundo vai dormir bêbado e emburrado, babando na fronha e
torcendo, pra que na manhã seguinte, faça aquele sol e todo mundo
possa se encontrar no mesmo inferno tropical...


 

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Um homem de consciência



O conto abaixo é de autoria de Monteiro Lobato, integra o livro “Cidades Mortas” e pertence à era pré-modernista da literatura brasileira.
Monteiro Lobato é nome de irrefutável destaque em obras relacionadas ao regionalismo e à denúncia da realidade brasileira. O texto reproduzido nesse post tem como personagem central um homem simples, do meio rural, que se defronta com os problemas ocorridos na região onde vive e não dá valor a si mesmo. Interessante crítica à inversão de valores e ao desprezo à moralidade que costumam ocorrer no Brasil.

Um homem de consciência"

Chamava-se João Teodoro, só. O mais pacato e modesto dos homens. Honestíssimo e lealíssimo, com um defeito apenas: não dar o mínimo valor a si próprio. Para João Teodoro, a coisa de menos importância no mundo era João Teodoro.
Nunca fora nada na vida, nem admitia a hipótese de vir a ser alguma coisa. E por muito tempo não quis nem sequer o que todos ali queriam: mudar-se para terra melhor.
Mas João Teodoro acompanhava com aperto de coração o deperecimento visível de sua Itaoca.
 - Isto já foi muito melhor, dizia consigo. Já teve três médicos bem bons – agora só um e bem ruinzote. Já teve seis advogados e hoje mal dá serviço para um rábula ordinário como o Tenório. Nem circo de cavalinhos bate mais por aqui. A gente que presta se muda. Fica o restolho. Decididamente, a minha Itaoca está acabando…
João Teodoro entrou a incubar a idéia de também mudar-se, mas para isso necessitava dum fato qualquer que o convencesse de maneira absoluta de que Itaoca não tinha mesmo conserto ou arranjo possível.
 - É isso, deliberou lá por dentro. Quando eu verificar que tudo está perdido, que Itaoca não vale mais nada de nada de nada, então arrumo a trouxa e boto-me fora daqui.
Um dia aconteceu a grande novidade: a nomeação de João Teodoro para delegado. Nosso homem recebeu a notícia como se fosse uma porretada no crânio. Delegado, ele! Ele que não era nada, nunca fora nada, não queria ser nada, não se julgava capaz de nada…
Ser delegado numa cidadezinha daquelas é coisa seríssima. Não há cargo mais importante. É o homem que prende os outros, que solta, que manda dar sovas, que vai à capital falar com o governo. Uma coisa colossal ser delegado – e estava ele, João Teodoro, de-le-ga-do de Itaoca!…
João Teodoro caiu em meditação profunda. Passou a noite em claro, pensando e arrumando as malas. Pela madrugada, botou-as num burro, montou no seu cavalo magro e partiu.
 - Que é isso, João? Para onde se atira tão cedo, assim de armas e bagagens?
 - Vou-me embora, respondeu o retirante. Verifiquei que Itaoca chegou mesmo ao fim.
 - Mas, como? Agora que você está delegado?
 - Justamente por isso. Terra em que João Teodoro chega a delegado, eu não moro. Adeus.
E sumiu.”