Espaços em transformação
Por
Mariana Sgarioni e Rafael Tonon
Geralmente, a periferia é vista pelas pessoas como
um bloco único, um problema único ou uma condição única de existência. Mas a
aproximação ao tema faz ver que, apesar de traços comuns, cada periferia tem
sua especificidade e, dependendo do enfoque, ela pode ser um conceito relativo.
Para Gilberto Dimenstein, por exemplo, um jovem de classe média alta alienado é
periférico. Em contraponto, analisa o jornalista, um dos entrevistados nesta
seção, um jovem periférico integrado socialmente ultrapassa seus limites
geográficos.
Na opinião do psicanalista Jorge Broide, também
entrevistado, os problemas enfrentados pela periferia, especialmente a
violência, dificultam a circulação da palavra, expressa entre outros aspectos
pela arte e pela cultura. Outro convidado a refletir sobre a periferia é o
professor e pesquisador Eduardo Marques, que vê com otimismo a quebra da
homogeneidade dessas populações, à medida que avançam os serviços públicos e a
cidadania. Uma vontade política ampla é o primeiro passo para reverter o
estigma de exclusão que paira sobre pessoas que vivem fora do centro das
grandes cidades, na visão da antropóloga Rose Satiko.
No entanto, a urbanista Raquel Rolnik, cuja
entrevista fecha a seção, observa que, apesar de a cultura da periferia ganhar
cada vez mais espaço dentro e fora dela, sua força política foi capturada pelo
jogo eleitoral. Conheça essas e outras reflexões dos especialistas convidados a
debater esses espaços em transformação.
Para você, o que é periferia?
O
conceito de periferia foi forjado de uma leitura da cidade surgida de um
desenvolvimento urbano que se deu a partir dos anos 1980. Esse modelo de
desenvolvimento privou as faixas de menor renda de condições básicas de
urbanidade e de inserção efetiva à cidade. Essa talvez seja sua principal
característica, migrada de uma ideia geográfica, dos loteamentos distantes do
centro. Mas é preciso lembrar que a periferia é marcada muito mais pela precariedade
e pela falta de assistência e de recursos do que pela localização. Hoje há
condomínios de alta renda em áreas periféricas que, claro, não podem ser
considerados da mesma forma que seu entorno, assim como há periferias em áreas
nobres da cidade.
Que tipo de problema social a periferia representa?
O
principal problema das periferias hoje está na ambiguidade constitutiva entre a
cidade e seus assentamentos populares, principalmente de áreas irregulares e
ilegais. Em primeiro lugar, na própria questão do pertencimento desses
assentamentos à cidade: eles fazem ou não parte da cidade? A quem ela pertence?
Apesar de estar no controle do aparato do Estado, há muitos lugares, como
favelas urbanizadas de grandes cidades, em que as prefeituras não entram para
fazer coleta de lixo ou manutenções (drenagem, limpeza de bueiros etc.), algo
que é comum aos outros bairros. Essa questão é transcendente porque joga luz
sobre muitos outros problemas das periferias, como a crescente violência e o
controle do tráfico de drogas. Um lugar em que reina a ambiguidade é uma “terra
sem dono”, onde teoricamente qualquer pessoa ou grupo pode tomar para si o seu
controle. É isso que acontece, por exemplo, com o próprio tráfico.
As iniciativas que tentam integrar a periferia ao restante das grandes cidades geram resultados?
Acho que
grande parte das iniciativas hoje são absolutamente fragmentadas e pontuais,
uma vez que não conseguem resolver a principal questão que paira sobre a
periferia, que é romper o nosso modelo de desenvolvimento econômico. As
iniciativas não conseguem parar a máquina de produção da exclusão. O salário do
trabalhador formal do Brasil não consegue cobrir o custo de moradia, seja em
aluguel, seja na casa própria. E isso não é para uma pequena parcela da população,
mas para 60%, 70% dela. Ao mesmo tempo, as políticas e os
investimentos valorizam a terra, aumentam cada vez mais o seu valor. Nesse
contexto, aos pobres resta morar onde? Por isso temos mais pessoas vivendo em
áreas periféricas, sem acesso a recursos, e longe dos centros das cidades.
Qual a força da periferia em termos políticos? E no tocante à arte e à cultura?
Acredito
que a força política da periferia foi capturada pelo jogo político e eleitoral.
O poder político ainda está ali – afinal, a periferia é muito representativa na
medida em que faz parte de uma enorme parcela da população do país,
eleitoralmente muito forte –, mas perdeu a força transformadora que tinha. Se
está muito mais esvaziada em termos políticos, no entanto, também vejo a periferia
muito mais forte na questão das manifestações culturais e artísticas. Muitos de
seus movimentos artísticos ganharam uma expressão mais ampla do que seus
próprios bairros. Eles quebraram as barreiras geográficas e se difundiram no
restante da cidade, em outras cidades, em outros países. Por isso, acho que a
força da periferia, hoje, está muito mais nas questões culturais do que
políticas.
Como transformar o estigma de exclusão que paira sobre os moradores da periferia?
Não se
trata só de um estigma de exclusão, mas de uma exclusão que é real, e não
imaginária. Acho difícil romper essa imagem quando os meios de comunicação, por
exemplo, mostram apenas o lado negativo das periferias, salvo raríssimas
exceções. O estigma se dá quando ela é representada e mostrada pelo olhar de
alguém que não vem de lá, que não vive lá, enfim, de um olhar totalmente
estrangeiro sobre aquela realidade. Para minimizar essa imagem, é
imprescindível dar voz também a outras questões, mostrar outras verdades. Para
isso, é necessário oferecer oportunidades para que a periferia possa se mostrar
da forma como gostaria.
Entrevista para a edição de
junho/2010 da Revista Continuum /Itaú Cultural
Um comentário:
Os arredores também geram lucros ao país e ao sistema, mas nunca farão parte do centro do circulo. Já nasceram nos arredores. Por mais que mudem suas culturas, as raízes prevalecem, penso ser uma luta que não terá fim. A pobreza dos que vivem nas periferias geram riquezas aos que nada fazem para elevar o país e as pessoas. Todos os poderosos são cultos, e essa cultura deveria ser usada de outra maneira, mas a ganância fala mais alto.
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